sexta-feira, 27 de julho de 2007

Viagem

“A esperança é a última que morre...”

I – Decolagem
Ele foi para a cidade grande em busca de um futuro melhor. Deixou dois filhos pequenos e a esposa num casebre de madeira e palha, imaginando que tudo se transformaria com o tempo. Pois é, seu Genésio Oliveira tinha razão. Em pouco mais de três meses fora, arranjou um emprego – depois de pedir muita esmola e carona pelas ruas de São Paulo. Ser pedreiro consumia 14 horas, de bastante suor, marteladas e misturas de concreto. Era notório o sorriso na face maltratada pelas intempéries intermitentes, apesar das longas e duríssimas jornadas de trabalho. Algo em torno de dois salários mínimos na conta bancária se materializava em pão e roupas para os seus familiares.


II – Vôo
Completou dois anos trabalhando: se tornou mestre de obras, conhecido por todos os engenheiros de uma grande empreiteira do Centro de São Paulo. As 14 horas de trabalho caíram mais do que a metade, e seu salário, seguindo na contramão, triplicou. Continuava mandando certa quantia em dinheiro para a família, todo fim de mês. Tinha o sonho de ver os filhos como doutores. Sentia saudades dos carinhos e noites de amor ao lado da esposa, mas não podia se desconcentrar de sua meta. Telefonava vez ou outra, no intuito de alimentar o espírito esfomeado pela ausência dos entes queridos. Chorava silenciosamente após as orações. Os pesadelos o atormentavam ao dormir: eram visualizações de como a vida seria pior, caso continuasse morando na cidade de onde veio.


III – Acima das nuvens
Mais dois anos haviam se passado. Faltava somente uma semana para terminar todo o ciclo de espera. Joaquim, o filho mais novo, César, o primogênito e Neli, a esposa, estavam preparando as malas e se despedindo da distância de Genésio. Parte do dinheiro guardado por ele – nesse meio tempo -, juntamente com o financiamento oferecido pela Caixa Econômica Federal, possibilitaram a compra de uma casa simples, porém confortável, próximo ao centro velho de Sampa. A luta e o sacrifício estavam prestes a serem justificados. Ele estava certo de que, no passado, tinha dado um tiro no escuro e, com perseverança, conseguira acertar o alvo quatro anos depois.


IV – Última escala
A maior responsabilidade de sua vida profissional era erguer um prédio comercial perto do aeroporto mais movimentado da cidade. Restavam alguns pequenos retoques, coisa pouca. A obra parecia em sincronia com o tempo de chegada da família. Dos 36 funcionários envolvidos no projeto, 33 chamavam Genésio de senhor e os outros três o chamavam pelo nome, porque eram seus respectivos chefes. O respeito havia se consolidado. Amanhã a família traria toda felicidade adormecida na distancia que os separavam do pai e esposo. Genésio já não conseguia dormir, haja visto que a ansiedade o consumia por completo. Imaginava os abraços e beijos de reencontro. Os pensamentos eram certeiros: “quanto mais espero, menos vou ter que esperar”, filosofava solitariamente.


V – Pouso/aterrissagem
- Nossa, olha quanto prédio, mamãe! – apontava para a cidade de São Paulo – ainda no avião -, o filho mais novo de Genésio. Ele conferia pela janela tudo o que a televisão mostrava em escala menor. O menino ficara impressionado com o tamanho das construções, da paisagem de concreto. O nervosismo tomava conta do momento, porque, logo-logo, todos estariam juntos de novo.
- Será que o papai vai gostar do meu presente? – perguntou Joaquim, lembrando-se da ampliação que havia feito, manuscritamente, de uma foto que a família tirara há muitos natais. Nesse tempo, o menino descobriu seu talento com o lápis de cor e esperava mostrar tudo o que aprendera ao pai. Enquanto isso, Neli chorava de alegria, pois os minutos que a separavam do marido se esgotavam gradativamente. Todos estavam com o pensamento em sintonia.

VI – Reverso(r)
Inerente a expectativa geral, a chuva deu o ar da graça. O asfalto molhado e um acidente – corriqueiro por sinal -, envolvendo caminhões, fizeram do trânsito um inferno ainda maior do que de costume. O vôo estava atrasado, em conseqüência do caos aéreo. Observando o painel informativo no saguão do aeroporto, Genésio notou que demoraria um pouco mais do que o previsto para reencontrar com os familiares. Resolveu então buscar o presente que comprara para dar aos filhos assim que chegassem à nova casa. A antecipação era a válvula de escape para as batidas aceleradas do coração. Tal surpresa estava no armário do canteiro de obras. Seguiu até o “quase” prédio que trabalhava, ao lado da pista de pouso; esbarrou com dois amigos – e não pôde parar por motivos óbvios, já que não queria se atrasar tanto quanto o avião -, pegou o presente e deixou algumas palavras anexadas à embalagem: “essa câmera digital é para termos mais momentos felizes registrados. Ela fará que, todos os nossos dias, a partir de hoje, sejam eternos não apenas nas lembranças.”

VII – Boom!
Trem de pouso abaixado e velocidade constante. O solo da pista era tocado pelo transporte que trazia a felicidade de um retorno, do elo mais forte que faltava à vida de Genésio. Outros elos – apesar de não pertencerem a mesma corrente - também estavam na aeronave, esperando, talvez, pelo abraço de uma mãe que não viam há tempos, de uma oportunidade de negócios, do aperto de mão dos amigos, da viagem para conhecer o desconhecido. O piloto freou a aeronave, mas houve algo de errado. Embora estivesse na pista, o veiculo beirava os 200km/h. César percebera que os prédios estavam maiores e mais próximos do que antes. Com o presente nas mãos, Genésio retomaria sua trajetória ao aeroporto. Pôs os pés para fora do canteiro e...

- Feche a cortina, meu filho! – Neli repreendeu César, porque tinha medo que ele sentisse enjôo devido à forma que a paisagem cortava o seu campo de visão.
- Tudo bem, mamãe – respondeu o menino.
- Acho que chegamos – dizia Neli, enquanto apertava as mãos no encosto do acento. O avião estava em Terra, mas a cabeça dela continuava nas nuvens: “hoje é o dia mais... – não deu nem tempo das aspas se fecharem.

Genésio preparava-se para atravessar a rua e seguir novamente em direção ao aeroporto. O presente que ele daria aos seus filhos era protegido debaixo do braço esquerdo, por causa da forte chuva na cidade. Um ruído muito alto de turbina de avião vinha dos fundos do prédio. Genésio pensou em olhar o que estava acontecendo, até que ele se tornou o fato, a estatística, tal qual outra centena de pessoas. Não ouve dor, não houve tempo pra nada. Um silêncio e depois boom!

Jornal Nacional – Hoje aconteceu o maior acidente da história do país. Cerca de 200 pessoas morreram carbonizadas...

...bola de fogo... pista escorregadia... falta de investimentos... FATALidade...?

“... A esperança é a última que morre, porque quem morre primeiro é você.”

O maior texto da história deste blog, só poderia ser sobre a maior tragédia aérea da história do Brasil

quarta-feira, 18 de julho de 2007

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Trecho ainda não publicado, da vida do personagem Lázaro.
Quer saber mais?
Conheça o projeto Onabru (BLOG)

Feche os olhos. Não trema com o barulho que as pernas apressadas fazem lá fora. Ao meu lado, nada vai te atingir, porque acima de nós existe um Deus. Não fique imaginando que o mundo está pior do que deveria estar. Ele é o que é, nem mais, nem menos. O alvoroço que nos corrompe é o mesmo que nos alegra e motiva para uma nova jornada em meio a feixes de escuridão. Pare de chorar. As alternativas que temos são enfrentar e morrer ou esperar e morrer. Então, deixemos as opções em branco, pois nenhuma nos agrada. Vagarosamente, o silêncio retoma o seu lugar. Eu sei: ele consegue ser mais assustador do que o som dos tiros ou dos gritos. Sabe por quê? Porque eu posso ouvir os meus pensamentos. E isso não é nada bom numa hora como essa.

Conheça a comunidade Onabru (ORKUT)

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Agridoce

Está sereno. Apreciando o frio e o vento, as pessoas se abraçam num gesto de união cósmica. Pelo céu, as nuvens brincam de desenhar animais, frutas, todas as formas. Tem gente que olha e pensa que o mundo é mais. Tem gente que olha e pensa que não é nada mais do que o próprio mundo representado pela mão celestial. O frio que aproxima, não dá alento aos pelados sociais, escarrados por narinas melequentas que podem adquirir sorini em quaisquer farmácias do bairro. Falar de frio sem comentar sobre o entupimento dos narizes é como falar das fezes sem lembrar-se do odor.
Há quem diga que existe algo de valioso por detrás do arco-íris. O tal tesouro pode ser um simples sorriso ou uma mulher nua, dependendo da preferência. Outros são mais simplórios e materialistas optando por uma urna abarrotada de ouro. “Com dinheiro eu posso comprar sorrisos e mulheres nuas”, se contradiz o narrador. É verdade. Contudo, passar os olhos e constatar que merdas rodopiando num vazo sanitário de tampa suja é a coisa mais limpa – e digna - que se faz na vida, destrói qualquer raciocínio lógico em torno das belas paisagens de uma vida de sonhos.
Próximos de nós, os objetos também querem possuir um humano interessante. Por exemplo: um vibrador se sente mais feliz dentro das carnes mijadas de uma fêmea propícia ao prazer, do que nas caixas discretas produzidas por humanos que chegam tarde em casa, sem tempo de treparem com seus maridos ou esposas. É a necessidade do “quentinho” se sobrepondo ao frio, do ponto de vista deste objeto infecundo. “Enquanto os homens humanizam as coisas, os objetos vão ‘coisificando’ os homens”, leu o narrador em algum livro de teoria, escrito por uma caneta segurada por um autor que se sente seguro única e exclusivamente quando está a formar pensamentos. Bom, continua sereno e acho melhor sair da janela e ir dormir no meu colchão quentinho.