segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Xixi também é história

A bexiga parece que vai estourar. Corro para o banheiro, mas está ocupado. Começo a virar os olhos, desesperado, pensando que a qualquer momento alguma coisa de ruim aconteceria. Peço a Deus e a todos os santos para que aquela porta se abra.
- Desocupa isso, logo! – eu grito.
- Espera um pouquinho – retruca minha mãe.
Fico andando de um lado para o outro, cantando músicas que não gosto e, até mesmo, que não conheço. Nunca imaginei que o quadro de uma planta sendo regada chamaria minha atenção. Em outras palavras, não consigo olhar para nada que se pareça com liquido, sem que me dê vontade de arrombar a porta deste banheiro.

3 minutos depois...

Nada, de minha cintura para baixo, respeita as ordens que vêm de cima. Eu sinto que minúsculas gotas saem do meu pênis, enquanto eu fico inerte, sem a oportunidade de dizer “tchau”. É, de fato, uma guerra que estou perdendo aos poucos: a cabeça inferior vence, neste caso com facilidade, a cabeça superior. Como não quero comprometer as duas, resolvo sentar-me, cruzar as pernas e ficar em silêncio.

7 minutos depois...

Ouço a porta rangendo. O som é como sinfonia para meus ouvidos. Descruzo as pernas, quebro o silêncio e, antes da minha mãe dizer que o banheiro está vago, já estou lá dentro. Sem cerimônia, abro o zíper, seguro o meu bilau e o aponto para o vaso sanitário. “Deixa a vida me levar, vida leva eu...”, “vou deixar a vida me levar para onde ela quiser...”, “Vida louca, vida. Vida breve. Já que eu não posso te levar, quero que você me leve...”. Essas são, dentre tantas, as músicas que me conduzem nesse instante de pura magia.
Enquanto eu manobro o pinto, meus olhos percorrem o caminho do xixi. Parece um arco-íris liquido de uma única cor. Só que no final, infelizmente não está o pote de ouro, embora a cor se assemelhe com o mesmo.
Ainda maravilhado com a sensação, eu inicio um clima de visões, ilusões e outras coisas “ões”. É como se um monte de estrelinhas estivessem próximas de mim e, assim sendo, com uma das mãos – já que a outra está ocupada – eu as pudesse tocar. Continuo observando o trajeto de minha urina num estado de ecxtase (estou muito hipnotizado para me preocupar se escrevi esta palavra de maneira certa ou errada). Sinceramente, sinto-me entorpecido pela sensação de alívio. Tudo isso lembra, de certa forma, o prazer do orgasmo. Mas não é. No caso em questão, o liquido não se parece, em nada, com o da ejaculação. Provavelmente, estou perdendo mais sódio do que de costume.

13,5 minutos depois...

Com cerca de 500ml despejados no vaso – mas ainda mandando ver no pipi -, um belo fim aproxima-se. Entregue as necessidades biológicas, deixo-me levar por mais miragens tolas. O fluxo do Nº1 (xixi) projeta imagens na minha mente: dá para ver um monte de sereias correndo pela praia, tentando pescar homens em terra firme. Elas debatem-se na areia com suas nadadeiras cintilantes, ao passo que eu pego um balde de água para lubrificar aqueles peixões! Sempre depois de uma pesca bem sucedida, encarrego-me de pegá-las no colo e levá-las para o mar. Posteriormente, os homens pescados, seguem na mesma direção, arrastados na areia pelo anzol trincado em seus dentes. De repente, tudo começa a girar bem rápido e, gradativamente, as coisas que vejo e vivo, vão literalmente por água abaixo. Deveria ser assim. O ciclo estava chegando ao final. Eu acabei de apertar a descarga.

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Dia comum

“Por que aquele monte de gente tá ali?”, pensei quando estava no caminho da faculdade. Seguindo os rastros daquela multidão, cheguei ao que provocava a muvuca: um corpo estendido no asfalto, coberto por sangue, que percorria o rosto inchado e servia como alimento para algumas moscas. Embora apodrecendo ao sol de 35º, o cadáver mantia-se firme, com os olhos abertos. Ainda embriagado com a poça de sangue – que refletia a face do povo curioso -, resolvi perguntar o que acontecera à um transeunte:
- Pô bicho, o que rolou ali? – perguntei.
- Acho que foi um motoboy que tava passando na hora do tiroteio e aí foi confundido com bandido.
- Hum... é foda, né?
- Cê vê. A gente não pode nem trabalhar tranqüilo mais.
Dei uma olhada no relógio – estava atrasado -, pedi desculpas para uma mulher em que eu havia esbarrado e direcionei a minha atenção para o moribundo novamente. Tudo bem, o cara não teve culpa na história, mas, infelizmente, estava no lugar errado e na hora errada.
Num determinado momento, imaginei o que a mãe dele sentiria ao vê-lo jogado, apagado, simplesmente morto. Provavelmente as lágrimas da coroa juntariam-se ao sangue no chão, dobrando, talvez, o volume daquela poça. Quiçá até aconteceriam manifestações envolvendo amigos e familiares do tipo: “Queremos justiça!” ou “Mais um inocente assassinado!”. Porém não dava para ficar pensando mais sobre esse caso. A minha aula já começara, ao passo que eu permanecia ali. Virei-me de costas e, assim como muitos trabalhadores que estavam no local, fui para o meu primeiro destino, assassinando, de vez, a minha curiosidade.