segunda-feira, 28 de maio de 2007

A hora do almoço

Tema sugerido por Laura Inafuko:
"Fome."

- Pai, eu tirei uma foto muito legal!

A foto mostrava a imagem de dois amiguinhos comendo cachorro quente, numa lanchonete da zona oeste do Rio de Janeiro. Eles estão sorrindo e olhando desconfiados para um mendigo sentado no chão, próximo do estabelecimento onde se alimentam. Era cerca de 12:30.

- Gostei muito, meu filho – disse o pai, passando a mão na cabeça do menino.

Um dos detalhes da foto, o qual não tinha sido notado pelo garoto, era que o mendigo estava comendo as azeitonas do cachorro quente dos seus amiguinhos, provavelmente arremessadas ao chão, porque eles não simpatizavam muito com o fruto.

- E aí, já sabe o título que vai pôr na foto? – perguntou o pai.
- Não... foto precisa de título? – questionou inocentemente o filho.
- Claro! É isso que a identifica no meio de tantas outras.


O filho vislumbrou meticulosamente a foto (ou, pelo menos, tentou), no intuito de descobrir um nome que mais se adequasse à imagem. Porém, seus olhar infantil só o fazia enxergar um mundo de sorrisos e fast foods baratos. Aliás, o fotógrafo mirim nem sabia o significado da palavra “food”, tanto literalmente como metaforicamente. Ele franzia a testa, remoendo em sua pequena cabeça pensamentos que pudessem levá-lo à um denominador comum, isto é, o título. Os objetos entravam numa sintonia estranha que ele não sabia...

- Que tal “a hora do almoço?” – o pai interrompeu os pensamentos do menino, indicando um título..
- Achei esse título ótimo, papai!


De um lado, o menino reparava mais uma vez o cachorro quente na mão dos amiguinhos, na medida em que concordava com o seu pai. Do outro lado, o pai observava o mendigo desfrutando daquela “reles” azeitona, outrora dispensada por outras bocas. Ambos estavam certos de que tinham tomado a melhor decisão para o título.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Encontro desencontrado

Eu encontrei você no lugar que deveria encontrá-la (estar).
Lá, encontrei você que deveria estar, no lugar que eu...
...deveria encontrá-la. No lugar que eu encontrei você.
Encontrei no lugar que você deveria estar. Eu encontrá-la?
Estar lá deveria encontrá-la? Você, eu, no lugar que encontrei.
Lugar lá encontrei eu. Você, deveria estar no lugar que...
... eu encontrá-la deveria. Lá, encontrei você. “No” estar eu.

sábado, 19 de maio de 2007

Trocados

Tema sugerido por Zana
"Você é o que você consome!"

Tema sugerido por Dan Ploc
"O que me define nessa vida?"

Primo sem noção – Paulo, vi um tênis super maneiro no camelô. Me empresta uns trocados?
Paulo Fernando – Pô, você só fala comigo quando o assunto é dinheiro.
Primo sem noção – Mentira! Eu também falo de mulher...
Paulo Fernando – Sei... Que tal perguntar como estou, saber o que ando fazendo ou coisas desse tipo?
Primo sem noção – Tudo bem. Como você está e o que anda fazendo?


Paulo Fernando – Estou muito bem. Tenho estudado e trabalhado bastante.
Primo sem noção – Que legal! Me empresta uma grana?
Paulo Fernando – ... (cara de raiva)
Primo sem noção – Iiiiiiiihhhh. Você disse que estava “muito bem” e, do nada, me olha com essa cara.

Paulo Fernando – Você só pode tá de brincadeira! Tu faz isso pra me provocar, só pode ser.
Primo sem noção – Que nada. Faço porque estou precisando da grana mesmo. Quero aquele tênis urgentemente.
Paulo Fernando – Já parou pra pensar que você é o que consome?
Primo sem noção – Não. Se bem que...
Paulo Fernando – ...
Primo sem noção – Seguindo o teu raciocínio, tenho pele macia, cheiro de armário velho e um estranho gosto por pés. E melhor: o símbolo da Nike está tatuado em minha testa. rsrs
Paulo Fernando – Você está falando do tênis, suponho.
Primo sem noção - Mas agora, eu e o tênis somos a mesma coisa.
Paulo Fernando - De certa forma, é quase isso. Mas você não pode deixar que as coisas te controlem, isto é, ser refém dessas vontades superficiais.
Primo sem noção – ... (cara de confuso)
Paulo Fernando – Enfim, só posso te emprestar R$20 reais, porque vou sair mais tarde com a Dindy.
Primo sem noção – Bem que eu achei que a sua bunda estava grande demais.
Paulo Fernando - ...
Primo sem noção – Você não disse que a gente é o que consome? Então...
Paulo Fernando – Disse sim, mas isso não é o que me define nessa vida.
Primo sem noção – Ué, mas você não come a Dindy?
Paulo Fernando – Bom, tecnicamente, é ela quem me come. E daí? Aliás, isso não vem ao caso!
Primo sem noção – É claro que vem. Você consome a Dindy, logo, você é ela. E sendo ela, você come a si mesmo...
Paulo Fernando – Ah... “vai tomar no cú”!!! (ele pensou sem dizer nada)
Primo sem noção – Além do mais, sexo emagrece. Portanto, nos deixa definidos. Trocando em miúdos: a Dindy é o que te define e você é ela porque a come (ou consome).
Paulo Fernando – Toma o dinheiro!

O Primo sem noção aceitou os R$20 reais, porém só conseguiu comprar uma sandália pirata da Ryder e uma casquinha do Bob’s. Essa foi a vingança silenciosa de Paulo Fernando.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Est-ce que vous comprenez?

Tema sugerido por Bárbara P.:
"Por que francês?"

Diga o seu nome mais uma vez. O som da tua voz é cativante, belo. Seu biquinho convidativo premia todo um instante de troca de olhares.
- Je ne comprends pas.
O quê? Gostei do toque de tuas mãos quando disse as palavras anteriores. Tais reações condenam o que você sente, espero. Mas não, não sejamos reféns do dialeto. O amor é mais que isso, o amor fala a línguia universal.
- Parlez-vous anglais? – ela me mexeu com os lábios.

“Por que francês?”, pensei. Acredito que depois da língua do amor, essa é a que chega mais próximo do meu coração, pois, de todas as pessoas que eu poderia encontrar no mundo, me encantei por ela – a mulher clara de pele macia -, diferente em síntese e igual no instinto.
- Pourriez-vous répéter ça?
Ahhhhhhhhhhhhhhhhh. Creio que o pensamento dela é parecido com meu. Porém, nessas horas, a dúvida bate no peito e encurrala o desejo de dar o bote. Avanço ou não avanço? Um abraço, no mínimo, seria glorioso. Vou esperar...

a troca de olhares continuou. Contudo, a única coisa que temos certeza nessa vida, é o fim...

- Jumenet de co – ela disse beijando o cantinho da minha boca. E antes de partir – imaginei que ela fosse ficar -, distanciando-se, pouco a pouco, um tal “Au revoir” fugiu de seu âmago, como se fosse espelido pela necessidade de dizer “não”, intencionando um “sim”.

Continuem a mandar sugestões de temas!

terça-feira, 15 de maio de 2007

Prazer por prazer

Tema sugerido por Marcelo:
"O desenho exato de suas curvas em luz tênue"

- Levante-se e tire suas roupas – ela disse

Não pensei duas vezes, ou melhor, simplesmente não pensei. Tirei peça por peça deixando-me embriagar pelo olhar sedento dela. As suas ordens juntavam-se as minhas fantasias mais sórdidas de ser dominado. Eu aceitava e, aceitando, ela se excitava.
As vestes estavam jogadas. Meu sexo rígido apontando para aquela materialização de paraíso. E ela encarava cada detalhe do meu corpo como se eu fosse o mapa de um novo mundo. Era assim, lindo pela observação e seco de toque. Eu queria me mexer, mas não podia, porque ela não havia ordenado. Tentei ver por detrás da lingerie, apesar de me contentar facilmente com a arte final de seu corpo emoldurado naquelas vestes.

- Faça o que quiser de mim! – Ela disse logo após deslizar vagarosamente a língua por meu ouvido esquerdo.

Fiquei numa espécie de transe. Eu podia ver o desenho exato de suas curvas em luz tênue. Ela estava molhada de vontade; e eu, duro de apetite. Abracei-a conforme mandam as regras da sedução e, penetrei-a de pé, sem invadir um centímetro sequer do teu sexo. Como eu fiz isso? Comendo o êxtase e deixando-a provar do meu.
Ficamos parados, roubando calor e aquecendo um ao outro. Vilipendiamos o orgasmo em forma e mimetizamos as sensações do prazer real.
A luz tênue se apagou e sobramos, imersos na escuridão deliciosa de nossos corpos.

PS: Continuem a mandar sugestões de temas!

sábado, 12 de maio de 2007

Grão de areia e desafio

Um grão de areia está triste, perdido no meio de bilhões e bilhões de outros grãos. Ele procura por uma grãozinha, mas não encontra. Todas que conseguem mexer com a sua cabeça, são leves, de modo que voam facilmente com qualquer brisa do mar ou piscadela de outro grão, sobretudo do RicarGrão. As reclamações existentes encarnam-se numa dinâmica: “não sou denso, estou clarinho e em forma, entretanto, não acho ninguém pra casar”. Ele é de família. Só atinge os olhos de pessoas decentes e sempre se lava em mares alheios, desde que possuam emissários submarinos. De vez em quando, ele gruda no bumbum de alguém na praia. “E daí”?, pensa. A paixão do brasileiro é a bunda mesmo! Mas isso acontece aos montes. Sabe, a pior coisa em ser grão de areia é ter o deserto como porto seguro.

No mundo de hoje, histórias como as de um grão de areia estão fora de moda. Por isso, resolvi escrever sobre coisas pouco comentadas na mídia ou nas casas. Seja cera de ouvido; coceira nas partes íntimas; excitação indesejada (se é que possível... ahaha) no carro ou no ônibus; barriga que esconde o cinto ou porque homem de terno e gravata nunca é atropelado (e muitos outros). Estou, a partir de agora, topando o convite que a DAN PLOC me fez para participar de desafios literários. Portanto, desafio vocês a me desafiarem! Mandem sugestões de tema, contos, de dissertações, de monografias, de teses, de poemas, de histórias e eu escolherei algumas das sugestões para dissecar!
Conto com a colaboração de todos!

terça-feira, 8 de maio de 2007

Preservando a natureza humana

Não pode sentir o que eu sinto agora. Não pôde sentir o que eu sentia. Não sentirá o que vou sentir amanhã. Sou tato e você insensível. Enquanto me despisto na horizontal, seus passos continuam se distanciando pela vertical. Latitudes e longitudes não são capazes de localizar a dor em meu peito, porque ele se espalha velozmente, mais rápida do que a luz. Transformo-me em indeterminada, hiato. Se não me acho, reencontro o farol naquilo que está perdido.
Por mais que seu membro esteja envolto ao plástico, meu prazer é real, surreal! Mas vale a pena. Posso ser penetrada por todos os males espirituais que o teu pau venha me causar, porque dos males físicos, a camisinha me protege. Será que existe um preservativo para a mente?

Assista até o fim e preserve-se!

sábado, 5 de maio de 2007

Estação Central

Esse trem faz um trajeto comum pelos trilhos finitos da ferrovia. O vento do norte, cortando o alumínio que encobre a parte externa do veículo, desaparece no primeiro vácuo. As mãos desunidas tentam se agarrar nos ferros que balançam. É a inércia prevalecendo, levando-os de um lado para o outro e fazendo com que voltem ao mesmo lugar. Na parte de fora, paisagens nascem, somem, pedem auxílio, reclamam desdém. Entretanto, é necessário que o trem continue o percurso. Tem gente esperando na próxima parada.
Existem aqueles que teimam em se preocupar com o que acontece do outro lado. Coitadinhos. Não adianta tentar puxar a cordinha ou disparar o alarme de emergência que faz o trem estacionar. Só resta a eles olhar a paisagem, ver as desgraças e alegrias, sem participar de nada. São espectadores que não possuem o direito de interagir, por mais que dê aquela vontadezinha de penetrar na vida alheia.
Enfim, chegam à Central. Os muitos passos se multiplicam, ecoam no solo fértil e febril da cidade. A correnteza de pensamentos segue pela contramão: todos querem voltar – o quanto antes - para a nascente, mas nenhum deles sabe o caminho. Sobrou apenas o vagão, inerte a tudo isso. As horas se esvaem pelos ponteiros mais calmos e apressados.
Na plataforma, algumas oportunidades desperdiçadas, sonhos que nunca se realizarão e a tal esperança que, realmente, nunca morre – porque quem morre é você. O intervalo está terminando. A locutora oficial da estação já vai fazer sua chamada: “trem da Central com destino à...”. Embora a voz seja bem clara e suave, outros afazeres a tornam inaudível. Contudo, é sabido que não se pode deixar escapar a chance de entrar no trem e voltar pra casa, pois o descanso é precioso e necessário. Amanhã, caso o galo não cante bem cedo, é capaz da ferrovia estar vazia, sem aquele trem, porque ele não tem a obrigação de esperar. Se no vagão é possível ver a vida dos outros, fora dele, a sua vida se torna a dos outros. Então, não perca a hora: o seu centro não é a Central; é a Central que é o seu centro.