segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A Era Moderna era moderna?

“Estamos livres”, lamentavam os escravos. A carta de alforria chegou, mas não trouxe consigo a educação, tampouco a qualificação profissional para que os negros pudessem, realmente, seguir o caminho com suas próprias pernas. Os dirigentes brasileiro-portugueses, fizeram isso por pressão inglesa, e também por tratar-se de uma lógica de mercado, já que se o Brasil não abolisse a escravatura, o financiamento de algumas obras, empréstimos e outras “vantagens” não poderiam ser “oferecidos” pelo governo britânico. Havia ainda a premissa de que, menos escravos significariam numa maior população com poder de consumo. Mas, pelo menos durante muitos anos, essa hipótese não figurou como prática.

Tempos depois, já na Era Vargas, a instituição do salário mínimo e a aceleração do desenvolvimento comercial e industrial, seria a chance de regular o fluxo financeiro de todos. A idéia de salário mínimo funcionou, tanto é que ainda existe, mas a falta de uma infra-estrutura continuou a ampliar os ganhos dos ricos e transformou os pobres em mais pobres (abismo social). Só que, quando eu falo de pobres, deve-se ter em mente que me refiro a três quartos da população brasileira.

Em décadas posteriores, o que se via era a importância mais acentuada da integração dos mercados mundiais. “Dane-se o individual, o individuo!”, pensavam os mais radicais perante esse cenário. Para eles, quem está “lá em cima” quer mais é enriquecer com o aumento de consumidores. “Uma andorinha só não faz verão”, argumentavam os favoráveis a tal panorama, porque tudo, com a chamada globalização, tornou-se uma coisa só. Trocando em miúdos, as nações passaram a depender de maneira mais central, umas das outras. Enquanto as culturas se misturam – ou perdem características tradicionais – por conta de influência externa, blocos e mais blocos econômicos são concebidos para legitimar essa tendência mundial capitalista.

Nesse contexto, o que antes era destinado ou preferível que acontecesse em espaço público, como as grandes mobilizações e discussões políticas, hoje são feitas pela lente da câmera, por uma tela ou um slide que tira a necessidade, bem como a oportunidade do “olho no olho”. E, quando expressos ao telespectador, os temas são trabalhados de modo superficial, uma vez que “time is money”, sobretudo na TV. Por mais que tal aparelho seja um dos símbolos democráticos do país, em contrapartida, ele motiva o distanciamento das questões sociais, em certas ocasiões (paradoxo). Portanto, para um público que já vê política com maus olhos, fica difícil discernir entre o que é marketing pessoal do que, verdadeiramente, é política.

Com isso, como já foi dito neste blog, os objetos como televisão se “humanizam” cada vez mais, ao passo que os humanos vão “coisificando-se”. A possibilidade de ser onipresente e, ao mesmo tempo, não sair do lugar de origem, além de fazer com pessoas sejam ordenadas por outras que não falam a língua delas, gera também um problema atual, que me remete ao passado: não deixamos de ser escravos. Mas hoje, os nossos donos não têm rosto, nem sentimento, pois se tratam da tecnologia e do dinheiro. Então, dificilmente, há quem cresça sem, pelo menos, um desses fatores enraizados. A velocidade e mobilidade da Era Moderna são coisas, até então, imensuráveis. O que existe pode modificar, reorganizar e dissolver a qualquer instante, dependendo do mercado. Como diria Marx: “tudo que é sólido desmancha no ar”.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

ÍDOLO

Mataram o ídolo. Ficaram todos sem chão. As influencias morreram junto com o destaque midiático, ao passo que as pessoas choravam sem nada dizer umas para as outras. Sendo as crianças e jovens os primeiros a imitar a figura falecida, num primeiro momento, a juventude não conseguiu viver por si só.

Lamentavam pela dor dos parentes, através das imagens de arquivo, quando refletiam solitários sobre a ausência do defunto. Tragédia, desespero. Alguns desmaiaram de tanta emoção na cerimônia lotada do enterro. Como era possível? Ídolos não morrem, ídolos não podem morrer. Mas o mataram alegando amor. Sem assassino, nenhuma suspeita concreta. Que merda!

Juntaram fans, fizeram comunidades novas no Orkut, deram entrevistas “esclarecedoras” acerca de todo o bem que o morimbudo havia feito em vida. Reprisaram programas, mostravam obras inéditas e leiloaram coisas importantes, como a meia suja que o cadáver ficou de lavar antes de sua morte. Tudo isso com o propósito de ressuscitá-lo. Não adiantou.

Dias e mais dias se passaram e a saudade cresceu. As reprises foram substituídas por novos programas e outra obra era lançada, com polêmicas revelações: a biografia do falecido. Sucesso. Virou filme, documentário, artigos. Mais sucesso. Era impressionante e imprevisível o surgimento de coisas aparentemente superficiais que, agora, valiam rios de dinheiro. Talvez o ídolo tenha faturado em vida uma quantia inferior ao que ganha em morte.

Então, depois de saturarem as mentes com informações que não acabavam mais, telespectadores, leitores e ouvintes desligaram a TV, o rádio e não compraram os jornais. Mesmo assim, não tinham forças para esquecê-lo. Todos morreram um pouco por causa da morte dele. A projeção de muita gente havia se desmaterializado. Enquanto isso, o “nada” do ídolo continuava sendo o bastante para virar notícia. Ele merecia. Merecia? Mataram o ídolo, mas esqueceram de matar, também, a idolatria.