terça-feira, 20 de novembro de 2007

Deflorando lembranças I

Vale o preço. Quem grita esperando o eco, só ouve a décima parte do que queria. Escutar é ação necessária quando a boca fala pelos cotovelos. Ele entra com a mesma roupa de ontem, na sala de espera. Mas não espera ninguém. Deixa a fatia de tempo caminhar suave, sem responsabilidade para aquele espaço físico. Mexe as pernas de um lado para o outro. Está com as mãos nos bolsos de uma calça jeans surrada, recostado na parede. O som das hélices dos ventiladores avisa com rotina: o mundo gira feito roda. Ele não liga. Ficou inerte desde a última vez que sentiu o rosto sensível do mal.

Desencostou da parede, pegou um copo pequeno e sujo que estava na mesa perto da janela e olhou para o reflexo embaçado. Não era por acaso: estranho seria ver uma imagem límpida de alguém que sequer enxerga a si mesmo quando fecha os olhos. Contudo, ele fechou as janelas. O vento que movimentava as cortinas sóbrias de um lugar solitariamente embriagado se chocava com o desejo eólico do ventilador turbulento. O embaço não foi mais visto. Quis não acender as luzes. Fechou as cortinas e cessou a última esperança de luz. Adeus sujeira, adeus calça jeans, adeus parede. Qualquer descrição agora seria mentirosa, pois nada era visível.

Por outro lado, as sensações cresciam, empurrando a mente para um estágio maior de remorso. Sem culpa, ele lutava em silêncio pelos sons que ainda não havia escutado. “Você é muito importante pra mim”, “te amo”, “volte para os meus braços”. Esqueceu-se de lembrar que era vício ter em mente somente virtudes. Recuou dois passos, tropeçou num tapete indiano antigo e viu que não tinha controle sobre as surpresas, afinal, surpresa é surpresa.

Um pequeno corte no joelho não seria o bastante para deixar seqüelas. Costurou para si a última parte de desejo escondido, não aceitou seu próprio sim como resposta, levantou-se e acendeu as luzes. Desligou o ventilador, ouviu uma voz inexistente que insistia em ficar calada. Era a mente num processo de monólogo. Ele persistia, sem controle, sem ação. Retirou a carteira do bolso traseiro da calça, abriu o velcro e pegou uma foto 3X4. Era a única foto da menina-mulher que jamais havia lhe dito um “oi.”

Uma vez, andando pelas ruas, sentiu a respiração paralisando sua linha de raciocínio. Foi um estalo que ecoou. Não sabia o nome dela, nem quem era de verdade. Mas tinha a certeza de que aquela respiração se repetia, multiplicava na sua cabeça. Era aquilo que ele queria. E querer não é poder. Por que o vento o fazia lembrar? Por que o silêncio se comunicava com ele, como se este fosse a voz ininterrupta dela? Por que matar alguém e roubar a foto 3X4 para saciar um desejo obscuro e pessoal? Não havia corpo, não existiam indícios. Decidiu tomar a decisão mais dolorosa e menos cruel dos últimos dias: rasgou o retrato. Decerto, a imagem era a única fonte de medo e esperança que poderia existir. Não queria admitir que os sons dos gritos e do choro eram as únicas coisas que ele havia dito. Não queria tê-la enforcado, não queria estuprá-la. Mas o fez sem motivo aparente, vilipendiado pelo instinto e egoísmo de ter pra si o que não lhe pertence. Ligou o ventilador outra vez e deixou que o vento espalhasse os pedaços do retrato que ele acabara de rasgar. Os ecos dos ecos pararam. Era o fim.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A Era Moderna era moderna?

“Estamos livres”, lamentavam os escravos. A carta de alforria chegou, mas não trouxe consigo a educação, tampouco a qualificação profissional para que os negros pudessem, realmente, seguir o caminho com suas próprias pernas. Os dirigentes brasileiro-portugueses, fizeram isso por pressão inglesa, e também por tratar-se de uma lógica de mercado, já que se o Brasil não abolisse a escravatura, o financiamento de algumas obras, empréstimos e outras “vantagens” não poderiam ser “oferecidos” pelo governo britânico. Havia ainda a premissa de que, menos escravos significariam numa maior população com poder de consumo. Mas, pelo menos durante muitos anos, essa hipótese não figurou como prática.

Tempos depois, já na Era Vargas, a instituição do salário mínimo e a aceleração do desenvolvimento comercial e industrial, seria a chance de regular o fluxo financeiro de todos. A idéia de salário mínimo funcionou, tanto é que ainda existe, mas a falta de uma infra-estrutura continuou a ampliar os ganhos dos ricos e transformou os pobres em mais pobres (abismo social). Só que, quando eu falo de pobres, deve-se ter em mente que me refiro a três quartos da população brasileira.

Em décadas posteriores, o que se via era a importância mais acentuada da integração dos mercados mundiais. “Dane-se o individual, o individuo!”, pensavam os mais radicais perante esse cenário. Para eles, quem está “lá em cima” quer mais é enriquecer com o aumento de consumidores. “Uma andorinha só não faz verão”, argumentavam os favoráveis a tal panorama, porque tudo, com a chamada globalização, tornou-se uma coisa só. Trocando em miúdos, as nações passaram a depender de maneira mais central, umas das outras. Enquanto as culturas se misturam – ou perdem características tradicionais – por conta de influência externa, blocos e mais blocos econômicos são concebidos para legitimar essa tendência mundial capitalista.

Nesse contexto, o que antes era destinado ou preferível que acontecesse em espaço público, como as grandes mobilizações e discussões políticas, hoje são feitas pela lente da câmera, por uma tela ou um slide que tira a necessidade, bem como a oportunidade do “olho no olho”. E, quando expressos ao telespectador, os temas são trabalhados de modo superficial, uma vez que “time is money”, sobretudo na TV. Por mais que tal aparelho seja um dos símbolos democráticos do país, em contrapartida, ele motiva o distanciamento das questões sociais, em certas ocasiões (paradoxo). Portanto, para um público que já vê política com maus olhos, fica difícil discernir entre o que é marketing pessoal do que, verdadeiramente, é política.

Com isso, como já foi dito neste blog, os objetos como televisão se “humanizam” cada vez mais, ao passo que os humanos vão “coisificando-se”. A possibilidade de ser onipresente e, ao mesmo tempo, não sair do lugar de origem, além de fazer com pessoas sejam ordenadas por outras que não falam a língua delas, gera também um problema atual, que me remete ao passado: não deixamos de ser escravos. Mas hoje, os nossos donos não têm rosto, nem sentimento, pois se tratam da tecnologia e do dinheiro. Então, dificilmente, há quem cresça sem, pelo menos, um desses fatores enraizados. A velocidade e mobilidade da Era Moderna são coisas, até então, imensuráveis. O que existe pode modificar, reorganizar e dissolver a qualquer instante, dependendo do mercado. Como diria Marx: “tudo que é sólido desmancha no ar”.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

ÍDOLO

Mataram o ídolo. Ficaram todos sem chão. As influencias morreram junto com o destaque midiático, ao passo que as pessoas choravam sem nada dizer umas para as outras. Sendo as crianças e jovens os primeiros a imitar a figura falecida, num primeiro momento, a juventude não conseguiu viver por si só.

Lamentavam pela dor dos parentes, através das imagens de arquivo, quando refletiam solitários sobre a ausência do defunto. Tragédia, desespero. Alguns desmaiaram de tanta emoção na cerimônia lotada do enterro. Como era possível? Ídolos não morrem, ídolos não podem morrer. Mas o mataram alegando amor. Sem assassino, nenhuma suspeita concreta. Que merda!

Juntaram fans, fizeram comunidades novas no Orkut, deram entrevistas “esclarecedoras” acerca de todo o bem que o morimbudo havia feito em vida. Reprisaram programas, mostravam obras inéditas e leiloaram coisas importantes, como a meia suja que o cadáver ficou de lavar antes de sua morte. Tudo isso com o propósito de ressuscitá-lo. Não adiantou.

Dias e mais dias se passaram e a saudade cresceu. As reprises foram substituídas por novos programas e outra obra era lançada, com polêmicas revelações: a biografia do falecido. Sucesso. Virou filme, documentário, artigos. Mais sucesso. Era impressionante e imprevisível o surgimento de coisas aparentemente superficiais que, agora, valiam rios de dinheiro. Talvez o ídolo tenha faturado em vida uma quantia inferior ao que ganha em morte.

Então, depois de saturarem as mentes com informações que não acabavam mais, telespectadores, leitores e ouvintes desligaram a TV, o rádio e não compraram os jornais. Mesmo assim, não tinham forças para esquecê-lo. Todos morreram um pouco por causa da morte dele. A projeção de muita gente havia se desmaterializado. Enquanto isso, o “nada” do ídolo continuava sendo o bastante para virar notícia. Ele merecia. Merecia? Mataram o ídolo, mas esqueceram de matar, também, a idolatria.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Caso de imprensa/polícia

A história a seguir é uma ficção.

Dois jovens foram encontrados mortos perto de um dos bares mais movimentados do Centro do Rio de Janeiro. Os corpos apresentavam marcas de tiros e facadas na altura da barriga. Rapidamente, a polícia foi chamada. Tão logo, os agentes chegaram e isolaram a área para uma melhor averiguação da perícia técnica. Minutos depois, ao escutarem as conversas da PM pelo rádio, os carros da imprensa apareceram. Conclusão: alguns flashs e bastante algazarra entre curiosos, policiais, fotógrafos, câmeras e jornalistas.

Num emaranhado de dúvidas e questionamentos, uma das brigas mais aparentes era a da “busca pela exclusividade”, pela informação em primeira mão. Os repórteres se posicionavam perto dos corpos, que estavam cobertos com um saco preto, e ensaiavam notícias, se baseando nos breves depoimentos colhidos até então.

- Dois homens foram fuzilados dentro do “Pixinguinha” – disse o primeiro jornalista, direto da cena do crime.

Em nenhum momento, a policia havia dito que os jovens tinham sido mortos no lugar onde foram encontrados. As falas das testemunhas ainda estavam cobertas de contradições. Enquanto isso, o segundo repórter continuava com a lambança feita pelo anterior:
- A noite terminou cedo para dois menores num grande bar do Centro do Rio – afirmou.

Novos carros da imprensa chegavam ao local. O fato já era transmitido em larga escala, com direito a interrupção na programação de alguns canais de TV. Esses acontecimentos acirravam – mais ainda – a competição nada saudável pelo “furo” de reportagem. Com menos de meia hora, todas as rádios e veículos importantes do município divulgavam o crime. No entanto, muitos detalhes haviam sido pouco investigados. Praticamente todas as mídias tratavam as vítimas como criminosos, culpados, inclusive, pela própria morte.

O erro se espalhara. Na tentativa da procura pela “imparcialidade veloz”, o que se viu foram doses e mais doses de conclusões mal feitas. O pensamento rápido evitou o aprofundamento do que, realmente, ocorrera. E ainda faltava o recolhimento das várias versões de uma mesma verdade – sim, isso é possível -, ao passo que o tempo era curto para a transmissão sem falhas, dos fatos. Conseqüência: a discrepância de um veículo para outro era gritante, beirando o absurdo. Ninguém partiu da premissa “só acrescento algo ao leitor se a apuração me acrescentar algo”. Na verdade, o único propósito, numa investida inicial, era ser mais rápido e “objetivo” que o concorrente.

Ao notarem a grande confusão em torno dos corpos, os policiais resolveram aumentar o cordão de isolamento. Um dos agentes responsáveis pela investigação prometera dar esclarecimentos em entrevista coletiva na manhã seguinte. Seria tarde demais. A imprensa não poderia esperar. Logo, logo, o foco sairia dos rapazes assassinados.

O sol levantou e as bancas de jornal, assim como todos os noticiários matutinos da TV, indicavam outras suspeitas. Segundo a maioria deles, os policiais estavam envolvidos no crime. Alguns veículos afirmaram, categoricamente, que a policia estaria dificultando o trabalho da mídia com o aumento da área isolada. Embora a idéia da criação de um complô para desmoralizar a ação policial fosse óbvia, o motivo de tanta especulação da imprensa partira de um telefonema anônimo, uma hora depois de toda a confusão no local do crime. A necessidade pela notícia, pela manchete, sem se preocupar com a responsabilidade que todo jornalista tem como construtor da realidade, se tornara mais importante do que a notícia em si. Fez-se presente à constatação de que a tecnologia – seja da informação ou não – pressiona o projeto de reportagem.

As infinitas possibilidades de desfecho, no caso dos jovens mortos, foram resumidas à pequenas suspeitas e muito bate-boca entre membros da secretaria de segurança pública e dos jornais que levantavam a hipótese de participação da policia nos crimes. Então, a coletiva, há pouco iniciada, foi interrompida com palavras duras e ameaçadoras. Doze minutos a partir da primeira interrupção, o principal responsável pela investigação declarou encerrada a coletiva, após conselho da sua assessoria.

Todos os porquês acerca deste caso só cessaram com o resultado dos exames de balística, da autópsia e do laudo completo dos peritos. Com mais de 20 depoimentos diferentes coletados e três semanas de investigação rigorosa, até por pressão da opinião pública, a polícia concluiu que os jovens foram confundidos com bandidos rivais pelos traficantes da região. Por conta disto, foram brutalmente executados. Nenhuma das vítimas tinha passagem pela polícia. Como a notícia não tinha o mesmo destaque de antes na mídia, assim como não circulava mais nas pautas, porque aquela verdade não era mais interessante, restou à imprensa, na sua arrogância destruidora, destinar minúsculos espaços para a divulgação do resultado das investigações. A minoria dos veículos se retratou com os policiais.

A história contada foi uma ficção, baseada na realidade observada todos os dias. Se os jornalistas, ou pelo menos uma parte deles, tivessem a mesma disposição para buscar respostas que ainda não possuíssem, ou seja, se analisassem e considerassem informações “sem sentido”, a notícia conteria mais formas de embasamento e, decerto, um número menor de difamações, equivocadas. Agora, vá tentar dizer isso para um repórter com o deadline (prazo) estourando.

Ficção?

domingo, 5 de agosto de 2007

Filme

Quero fazer um filme. Sem efeitos especiais, histórias longas ou atores que não cativem o público. Preciso apenas de uma arma velha, dois metros de corda e uma cadeira de balanços, parecida com aquelas que utilizam em filmes antigos, com velhinhos relaxando enquanto aguardam dias mais felizes. E o meu longa não será um drama ou uma comédia sarcástica sobre a solidão, vivida por muitos na cidade grande. Necessito de algo maior, de modo que sobreponha tudo o que já tenham realizado até hoje. Talvez uma mulher nua, alguns homens tentando estuprá-la e, ao invés de gritar de medo, a bela donzela se revela uma puta e geme de prazer, a cada investida sexual dos tarados. Não. Muito apelativo. Eu nunca fui fã de pornô-chanchada.
Nesses últimos dias, estive pensando numa ficção. Porém, mal sei mexer no photoshop, que dirá fazer efeitos em vídeo! Ops, ato falho. Isso é efeito especial e, como disse no início, não quero nada M-I-R-A-B-O-L-A-N-T-E do tipo
Matrix ou Star Wars no meu filme. Além do mais, o orçamento está curtíssimo para tal. Sabe, vou deixar o barco correr, seguindo o fluxo do mar. Só não posso me tornar um náufrago, já que detesto basquete e não teria uma bola Wilson para bater papo. Tampouco possuo o “talento” do Robinson Crusoe. Acho que não teria a mesma sorte de fazer amizade com o Sexta-feira. Se pelo menos eu estivesse com a Brooke Shields, sem sombra dúvidas todo aquele mar azul (ou lagoa azul) seria testemunha de dias mais ativos e fornicaria tanto, mais tanto com ela, que em poucas décadas o sexo seria uma enfermidade ao invés de prazer. Dei-me conta agora que, também, não tenho cenário, iluminador, maquiador e todos esses profissionais que tornam um menino magrelo e branquelo, em astro fenomenal do cinema, né Harry Potter? Quer saber, nada de ilhas desertas, naufrágio, corda, arma velha, cadeira de balanço, roteiros mal acabados ou “idéias de gênio.” Decidido: não quero mais fazer um filme.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Viagem

“A esperança é a última que morre...”

I – Decolagem
Ele foi para a cidade grande em busca de um futuro melhor. Deixou dois filhos pequenos e a esposa num casebre de madeira e palha, imaginando que tudo se transformaria com o tempo. Pois é, seu Genésio Oliveira tinha razão. Em pouco mais de três meses fora, arranjou um emprego – depois de pedir muita esmola e carona pelas ruas de São Paulo. Ser pedreiro consumia 14 horas, de bastante suor, marteladas e misturas de concreto. Era notório o sorriso na face maltratada pelas intempéries intermitentes, apesar das longas e duríssimas jornadas de trabalho. Algo em torno de dois salários mínimos na conta bancária se materializava em pão e roupas para os seus familiares.


II – Vôo
Completou dois anos trabalhando: se tornou mestre de obras, conhecido por todos os engenheiros de uma grande empreiteira do Centro de São Paulo. As 14 horas de trabalho caíram mais do que a metade, e seu salário, seguindo na contramão, triplicou. Continuava mandando certa quantia em dinheiro para a família, todo fim de mês. Tinha o sonho de ver os filhos como doutores. Sentia saudades dos carinhos e noites de amor ao lado da esposa, mas não podia se desconcentrar de sua meta. Telefonava vez ou outra, no intuito de alimentar o espírito esfomeado pela ausência dos entes queridos. Chorava silenciosamente após as orações. Os pesadelos o atormentavam ao dormir: eram visualizações de como a vida seria pior, caso continuasse morando na cidade de onde veio.


III – Acima das nuvens
Mais dois anos haviam se passado. Faltava somente uma semana para terminar todo o ciclo de espera. Joaquim, o filho mais novo, César, o primogênito e Neli, a esposa, estavam preparando as malas e se despedindo da distância de Genésio. Parte do dinheiro guardado por ele – nesse meio tempo -, juntamente com o financiamento oferecido pela Caixa Econômica Federal, possibilitaram a compra de uma casa simples, porém confortável, próximo ao centro velho de Sampa. A luta e o sacrifício estavam prestes a serem justificados. Ele estava certo de que, no passado, tinha dado um tiro no escuro e, com perseverança, conseguira acertar o alvo quatro anos depois.


IV – Última escala
A maior responsabilidade de sua vida profissional era erguer um prédio comercial perto do aeroporto mais movimentado da cidade. Restavam alguns pequenos retoques, coisa pouca. A obra parecia em sincronia com o tempo de chegada da família. Dos 36 funcionários envolvidos no projeto, 33 chamavam Genésio de senhor e os outros três o chamavam pelo nome, porque eram seus respectivos chefes. O respeito havia se consolidado. Amanhã a família traria toda felicidade adormecida na distancia que os separavam do pai e esposo. Genésio já não conseguia dormir, haja visto que a ansiedade o consumia por completo. Imaginava os abraços e beijos de reencontro. Os pensamentos eram certeiros: “quanto mais espero, menos vou ter que esperar”, filosofava solitariamente.


V – Pouso/aterrissagem
- Nossa, olha quanto prédio, mamãe! – apontava para a cidade de São Paulo – ainda no avião -, o filho mais novo de Genésio. Ele conferia pela janela tudo o que a televisão mostrava em escala menor. O menino ficara impressionado com o tamanho das construções, da paisagem de concreto. O nervosismo tomava conta do momento, porque, logo-logo, todos estariam juntos de novo.
- Será que o papai vai gostar do meu presente? – perguntou Joaquim, lembrando-se da ampliação que havia feito, manuscritamente, de uma foto que a família tirara há muitos natais. Nesse tempo, o menino descobriu seu talento com o lápis de cor e esperava mostrar tudo o que aprendera ao pai. Enquanto isso, Neli chorava de alegria, pois os minutos que a separavam do marido se esgotavam gradativamente. Todos estavam com o pensamento em sintonia.

VI – Reverso(r)
Inerente a expectativa geral, a chuva deu o ar da graça. O asfalto molhado e um acidente – corriqueiro por sinal -, envolvendo caminhões, fizeram do trânsito um inferno ainda maior do que de costume. O vôo estava atrasado, em conseqüência do caos aéreo. Observando o painel informativo no saguão do aeroporto, Genésio notou que demoraria um pouco mais do que o previsto para reencontrar com os familiares. Resolveu então buscar o presente que comprara para dar aos filhos assim que chegassem à nova casa. A antecipação era a válvula de escape para as batidas aceleradas do coração. Tal surpresa estava no armário do canteiro de obras. Seguiu até o “quase” prédio que trabalhava, ao lado da pista de pouso; esbarrou com dois amigos – e não pôde parar por motivos óbvios, já que não queria se atrasar tanto quanto o avião -, pegou o presente e deixou algumas palavras anexadas à embalagem: “essa câmera digital é para termos mais momentos felizes registrados. Ela fará que, todos os nossos dias, a partir de hoje, sejam eternos não apenas nas lembranças.”

VII – Boom!
Trem de pouso abaixado e velocidade constante. O solo da pista era tocado pelo transporte que trazia a felicidade de um retorno, do elo mais forte que faltava à vida de Genésio. Outros elos – apesar de não pertencerem a mesma corrente - também estavam na aeronave, esperando, talvez, pelo abraço de uma mãe que não viam há tempos, de uma oportunidade de negócios, do aperto de mão dos amigos, da viagem para conhecer o desconhecido. O piloto freou a aeronave, mas houve algo de errado. Embora estivesse na pista, o veiculo beirava os 200km/h. César percebera que os prédios estavam maiores e mais próximos do que antes. Com o presente nas mãos, Genésio retomaria sua trajetória ao aeroporto. Pôs os pés para fora do canteiro e...

- Feche a cortina, meu filho! – Neli repreendeu César, porque tinha medo que ele sentisse enjôo devido à forma que a paisagem cortava o seu campo de visão.
- Tudo bem, mamãe – respondeu o menino.
- Acho que chegamos – dizia Neli, enquanto apertava as mãos no encosto do acento. O avião estava em Terra, mas a cabeça dela continuava nas nuvens: “hoje é o dia mais... – não deu nem tempo das aspas se fecharem.

Genésio preparava-se para atravessar a rua e seguir novamente em direção ao aeroporto. O presente que ele daria aos seus filhos era protegido debaixo do braço esquerdo, por causa da forte chuva na cidade. Um ruído muito alto de turbina de avião vinha dos fundos do prédio. Genésio pensou em olhar o que estava acontecendo, até que ele se tornou o fato, a estatística, tal qual outra centena de pessoas. Não ouve dor, não houve tempo pra nada. Um silêncio e depois boom!

Jornal Nacional – Hoje aconteceu o maior acidente da história do país. Cerca de 200 pessoas morreram carbonizadas...

...bola de fogo... pista escorregadia... falta de investimentos... FATALidade...?

“... A esperança é a última que morre, porque quem morre primeiro é você.”

O maior texto da história deste blog, só poderia ser sobre a maior tragédia aérea da história do Brasil

quarta-feira, 18 de julho de 2007

...

Trecho ainda não publicado, da vida do personagem Lázaro.
Quer saber mais?
Conheça o projeto Onabru (BLOG)

Feche os olhos. Não trema com o barulho que as pernas apressadas fazem lá fora. Ao meu lado, nada vai te atingir, porque acima de nós existe um Deus. Não fique imaginando que o mundo está pior do que deveria estar. Ele é o que é, nem mais, nem menos. O alvoroço que nos corrompe é o mesmo que nos alegra e motiva para uma nova jornada em meio a feixes de escuridão. Pare de chorar. As alternativas que temos são enfrentar e morrer ou esperar e morrer. Então, deixemos as opções em branco, pois nenhuma nos agrada. Vagarosamente, o silêncio retoma o seu lugar. Eu sei: ele consegue ser mais assustador do que o som dos tiros ou dos gritos. Sabe por quê? Porque eu posso ouvir os meus pensamentos. E isso não é nada bom numa hora como essa.

Conheça a comunidade Onabru (ORKUT)

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Agridoce

Está sereno. Apreciando o frio e o vento, as pessoas se abraçam num gesto de união cósmica. Pelo céu, as nuvens brincam de desenhar animais, frutas, todas as formas. Tem gente que olha e pensa que o mundo é mais. Tem gente que olha e pensa que não é nada mais do que o próprio mundo representado pela mão celestial. O frio que aproxima, não dá alento aos pelados sociais, escarrados por narinas melequentas que podem adquirir sorini em quaisquer farmácias do bairro. Falar de frio sem comentar sobre o entupimento dos narizes é como falar das fezes sem lembrar-se do odor.
Há quem diga que existe algo de valioso por detrás do arco-íris. O tal tesouro pode ser um simples sorriso ou uma mulher nua, dependendo da preferência. Outros são mais simplórios e materialistas optando por uma urna abarrotada de ouro. “Com dinheiro eu posso comprar sorrisos e mulheres nuas”, se contradiz o narrador. É verdade. Contudo, passar os olhos e constatar que merdas rodopiando num vazo sanitário de tampa suja é a coisa mais limpa – e digna - que se faz na vida, destrói qualquer raciocínio lógico em torno das belas paisagens de uma vida de sonhos.
Próximos de nós, os objetos também querem possuir um humano interessante. Por exemplo: um vibrador se sente mais feliz dentro das carnes mijadas de uma fêmea propícia ao prazer, do que nas caixas discretas produzidas por humanos que chegam tarde em casa, sem tempo de treparem com seus maridos ou esposas. É a necessidade do “quentinho” se sobrepondo ao frio, do ponto de vista deste objeto infecundo. “Enquanto os homens humanizam as coisas, os objetos vão ‘coisificando’ os homens”, leu o narrador em algum livro de teoria, escrito por uma caneta segurada por um autor que se sente seguro única e exclusivamente quando está a formar pensamentos. Bom, continua sereno e acho melhor sair da janela e ir dormir no meu colchão quentinho.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Mendigo

Dá-me, dá-me
Eu quero, não quero
Esmero, esmola
Espero, agora
Na rua, sem casa
Senzala, sem blusa
Pendente, pedinte
Escondido, me abrigo
Perdido, sem céu
Num céu sem sol
E queimo, esquento
Acendo o isqueiro
Cigarro potente
Fumaça que trago,
Estrago os dentes
Sou semente, sente?
Cabelos espalhados
Arrepiados sem os shampoos
Das prateleiras dos mercados
Capitaneados por cegos
Que observam sem culpa,
Sem luta...
Cem solidões pra mim
E vago no vazio:
Vida dura, coração macio

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Sexo culto

As idas e vindas de nossos corpos repartia a sanidade inexistente das almas ao nosso redor. Com intermitências angustiantes, a libido fingia parceria conosco. Tal satisfação sensível e sensual corria pra longe dos verdadeiros e apetitosos prazeres da carne e do espírito. Ora uma inanidade, ora motivo retardado de hilaridade. Pena capital. Recuei do notório sentimento de insatisfação, mas ponderei em não mais compartilhar meu pênis com sua vagina.
O objeto de nossos desejos transformou-se em cólera. Lastimei dúvidas e meditei pelo pior. Mas o pior seria o melhor, tanto pra mim, quanto pra você – por mais que a minha forma de lhe entregar as palavras fosse acalentadora e apaixonante. A partir do gozo que não fugia de mim, desisti da intromissão e da repetição de novas relações contigo.
Sabe, o que eu queria era um orgasmo coloquial, daqueles que se erra o português da maneira mais desvairada, de modo que o ponto G se confunda com o ponto J . Mas isso, você não poderia me oferecer!

domingo, 17 de junho de 2007

Amor leve, flutuante

Revendo curvas cruas
No sapateio do meu ego
Nego más condutas, omito o credo

Bases de mim se foge
Parte do fim no começo
Relento distante do seu lado
Carinhos por “sim” ou - então - abalos

Querubim sem asas
Voa e quebra a cara, no chão!
Limpa esse azeite de oliva do corpo
Entorna-o no fogo, jocoso e infame

Curativos e roxos simétricos
Bonitas chagas, enfermidade lenta
Senta e agüenta, mas cura
Pura leva de sangue e tormento

Aproveite o chá, já!
Esquenta os ossos
Fome líquida que desidrata
Amor leve, flutuante...

Milagres não dão “oi”,
Esguia fatia do pranto
Nos prumos da calmaria, lance-se
Acalme os seus desapegos,
Beije-me e descanse

domingo, 10 de junho de 2007

Lugar nenhum de minha terra amada. Perdi você na entrelinha de um pensamento distante. Visivelmente longe de mim, o ego. Percebestes que o mundo ainda gira ao nosso redor? Da dor, sobrou o aconchego na fotografia, repleta de vãos vazios na prateleira dos meus vícios. Perdi. E achei você, indeterminadamente covarde e corajosa. Na música que padeceu num espaço oculto do olhar, o lá veio de lá, próximo de todas as minhas projeções de alegria. Lá, som monossilábico e lugar monocromático. Procuro uma resposta inatingível. Lá, lá, la, la, la... não quero mais saber de ti.
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sábado, 2 de junho de 2007

Clichês

Violência de fora pra dentro
O dia-a-dia em conflito com a individualidade

Algumas cenas da realidade do Brasil viraram clichê. É até clichê dizer que isso é clichê. Ostentar jóias ou objetos visíveis aos outros, por exemplo, não é recomendável em tempos como estes. Ou melhor: a bandidagem está tão especializada que, mesmo aparentando não possuir nada, eles reconhecem uma pessoa “assaltável” pelo cheiro.
De acordo com o ISP (Instituo de Segurança Pública), em 2006 aconteceram 778,3 casos de roubos para cada 100 mil habitantes no estado do Rio de Janeiro. O drama chegou a tal ponto que, até uma das paixões nacionais – nada de mulher, tampouco futebol – tornou-se acessório de segurança ambulante. Falo única e exclusivamente das belas e excitantes curvas de um automóvel.

Tornou-se comum a construção de barricadas impedindo a passagem de carros nas entradas de morros e favelas. A população fica impossibilitada de transitar livremente. Deveria ser garantido a todo ser humano, o direito de ir vir. Não, não sou o autor de tal afirmação, certamente. Está lá, na constituição brasileira – aquele livro que todos deveriam saber de cor e salteado, mas não sabem ou ignoram.

Não basta ter um carro simplesmente, porque a recomendação está implícita: hoje em dia, automóveis devem possuir vidro fumê – na tonalidade mais escura possível –, alarme antifurto, chave eletrônica, vigilância via-satéliti ou via-rádio e, ainda, seguro total, caso os itens anteriores não sirvam de nada. Contudo, isso é só o começo. A violência urbana mudou, significativamente, a rotina dos cidadãos deste país.

Em terras tupiniquins, dependendo do horário, os sinais de trânsito se transformam em meros apetrechos de decoração das estradas. Até as leis se adequaram a barbárie do asfalto: a falta de um código para punir com rigor delitos cotidianos traz como conseqüência milhares de outras transgressões. Se você for carioca e estiver passando próximo da favela de Manguinhos (zona norte do Rio), na área intitulada “Faixa de Gasa”, provavelmente não vai parar quando o sinal estiver vermelho, após as nove da noite. Tudo bem, nenhum guarda de trânsito estará à espreita, de plantão neste turno – a não ser, claro, que tenha uma blitz na esquina.

Violência de dentro pra fora - A questão é, acima de tudo, como a banalização da violência se internalizou no brasileiro. Nas chamadas áreas de risco, moradores foram obrigados a retroceder. Não há transporte legal; crianças são impedidas de estudar por conta de conflitos; toque de recolher virou rotina quando a polícia invade; cidadãos têm mais medo dos policias do que traficantes e por aí vai.
O quadro social do Rio, assim como o do país, contribui de certa forma para o aumento alarmante da violência, vide os recentes casos de balas perdidas. Mas não significa que pobre seja igual a bandido (ou vice e versa) – confusão feita por bastante gente.
Enquanto senhores engravatados ficam atrás de suas bancadas sem propor leis mais rígidas, a população vive a mercê de leis impostas pelo crime. A maneira mais barata e óbvia, a longo prazo, de acabar com esse problema tão clichê, é utilizando um outro clichê, que há anos rodeia o imaginários dos brasileiros: investimento sólido na educação.

Cidade maravilhosa? Os bandidos concordam

segunda-feira, 28 de maio de 2007

A hora do almoço

Tema sugerido por Laura Inafuko:
"Fome."

- Pai, eu tirei uma foto muito legal!

A foto mostrava a imagem de dois amiguinhos comendo cachorro quente, numa lanchonete da zona oeste do Rio de Janeiro. Eles estão sorrindo e olhando desconfiados para um mendigo sentado no chão, próximo do estabelecimento onde se alimentam. Era cerca de 12:30.

- Gostei muito, meu filho – disse o pai, passando a mão na cabeça do menino.

Um dos detalhes da foto, o qual não tinha sido notado pelo garoto, era que o mendigo estava comendo as azeitonas do cachorro quente dos seus amiguinhos, provavelmente arremessadas ao chão, porque eles não simpatizavam muito com o fruto.

- E aí, já sabe o título que vai pôr na foto? – perguntou o pai.
- Não... foto precisa de título? – questionou inocentemente o filho.
- Claro! É isso que a identifica no meio de tantas outras.


O filho vislumbrou meticulosamente a foto (ou, pelo menos, tentou), no intuito de descobrir um nome que mais se adequasse à imagem. Porém, seus olhar infantil só o fazia enxergar um mundo de sorrisos e fast foods baratos. Aliás, o fotógrafo mirim nem sabia o significado da palavra “food”, tanto literalmente como metaforicamente. Ele franzia a testa, remoendo em sua pequena cabeça pensamentos que pudessem levá-lo à um denominador comum, isto é, o título. Os objetos entravam numa sintonia estranha que ele não sabia...

- Que tal “a hora do almoço?” – o pai interrompeu os pensamentos do menino, indicando um título..
- Achei esse título ótimo, papai!


De um lado, o menino reparava mais uma vez o cachorro quente na mão dos amiguinhos, na medida em que concordava com o seu pai. Do outro lado, o pai observava o mendigo desfrutando daquela “reles” azeitona, outrora dispensada por outras bocas. Ambos estavam certos de que tinham tomado a melhor decisão para o título.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Encontro desencontrado

Eu encontrei você no lugar que deveria encontrá-la (estar).
Lá, encontrei você que deveria estar, no lugar que eu...
...deveria encontrá-la. No lugar que eu encontrei você.
Encontrei no lugar que você deveria estar. Eu encontrá-la?
Estar lá deveria encontrá-la? Você, eu, no lugar que encontrei.
Lugar lá encontrei eu. Você, deveria estar no lugar que...
... eu encontrá-la deveria. Lá, encontrei você. “No” estar eu.

sábado, 19 de maio de 2007

Trocados

Tema sugerido por Zana
"Você é o que você consome!"

Tema sugerido por Dan Ploc
"O que me define nessa vida?"

Primo sem noção – Paulo, vi um tênis super maneiro no camelô. Me empresta uns trocados?
Paulo Fernando – Pô, você só fala comigo quando o assunto é dinheiro.
Primo sem noção – Mentira! Eu também falo de mulher...
Paulo Fernando – Sei... Que tal perguntar como estou, saber o que ando fazendo ou coisas desse tipo?
Primo sem noção – Tudo bem. Como você está e o que anda fazendo?


Paulo Fernando – Estou muito bem. Tenho estudado e trabalhado bastante.
Primo sem noção – Que legal! Me empresta uma grana?
Paulo Fernando – ... (cara de raiva)
Primo sem noção – Iiiiiiiihhhh. Você disse que estava “muito bem” e, do nada, me olha com essa cara.

Paulo Fernando – Você só pode tá de brincadeira! Tu faz isso pra me provocar, só pode ser.
Primo sem noção – Que nada. Faço porque estou precisando da grana mesmo. Quero aquele tênis urgentemente.
Paulo Fernando – Já parou pra pensar que você é o que consome?
Primo sem noção – Não. Se bem que...
Paulo Fernando – ...
Primo sem noção – Seguindo o teu raciocínio, tenho pele macia, cheiro de armário velho e um estranho gosto por pés. E melhor: o símbolo da Nike está tatuado em minha testa. rsrs
Paulo Fernando – Você está falando do tênis, suponho.
Primo sem noção - Mas agora, eu e o tênis somos a mesma coisa.
Paulo Fernando - De certa forma, é quase isso. Mas você não pode deixar que as coisas te controlem, isto é, ser refém dessas vontades superficiais.
Primo sem noção – ... (cara de confuso)
Paulo Fernando – Enfim, só posso te emprestar R$20 reais, porque vou sair mais tarde com a Dindy.
Primo sem noção – Bem que eu achei que a sua bunda estava grande demais.
Paulo Fernando - ...
Primo sem noção – Você não disse que a gente é o que consome? Então...
Paulo Fernando – Disse sim, mas isso não é o que me define nessa vida.
Primo sem noção – Ué, mas você não come a Dindy?
Paulo Fernando – Bom, tecnicamente, é ela quem me come. E daí? Aliás, isso não vem ao caso!
Primo sem noção – É claro que vem. Você consome a Dindy, logo, você é ela. E sendo ela, você come a si mesmo...
Paulo Fernando – Ah... “vai tomar no cú”!!! (ele pensou sem dizer nada)
Primo sem noção – Além do mais, sexo emagrece. Portanto, nos deixa definidos. Trocando em miúdos: a Dindy é o que te define e você é ela porque a come (ou consome).
Paulo Fernando – Toma o dinheiro!

O Primo sem noção aceitou os R$20 reais, porém só conseguiu comprar uma sandália pirata da Ryder e uma casquinha do Bob’s. Essa foi a vingança silenciosa de Paulo Fernando.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Est-ce que vous comprenez?

Tema sugerido por Bárbara P.:
"Por que francês?"

Diga o seu nome mais uma vez. O som da tua voz é cativante, belo. Seu biquinho convidativo premia todo um instante de troca de olhares.
- Je ne comprends pas.
O quê? Gostei do toque de tuas mãos quando disse as palavras anteriores. Tais reações condenam o que você sente, espero. Mas não, não sejamos reféns do dialeto. O amor é mais que isso, o amor fala a línguia universal.
- Parlez-vous anglais? – ela me mexeu com os lábios.

“Por que francês?”, pensei. Acredito que depois da língua do amor, essa é a que chega mais próximo do meu coração, pois, de todas as pessoas que eu poderia encontrar no mundo, me encantei por ela – a mulher clara de pele macia -, diferente em síntese e igual no instinto.
- Pourriez-vous répéter ça?
Ahhhhhhhhhhhhhhhhh. Creio que o pensamento dela é parecido com meu. Porém, nessas horas, a dúvida bate no peito e encurrala o desejo de dar o bote. Avanço ou não avanço? Um abraço, no mínimo, seria glorioso. Vou esperar...

a troca de olhares continuou. Contudo, a única coisa que temos certeza nessa vida, é o fim...

- Jumenet de co – ela disse beijando o cantinho da minha boca. E antes de partir – imaginei que ela fosse ficar -, distanciando-se, pouco a pouco, um tal “Au revoir” fugiu de seu âmago, como se fosse espelido pela necessidade de dizer “não”, intencionando um “sim”.

Continuem a mandar sugestões de temas!

terça-feira, 15 de maio de 2007

Prazer por prazer

Tema sugerido por Marcelo:
"O desenho exato de suas curvas em luz tênue"

- Levante-se e tire suas roupas – ela disse

Não pensei duas vezes, ou melhor, simplesmente não pensei. Tirei peça por peça deixando-me embriagar pelo olhar sedento dela. As suas ordens juntavam-se as minhas fantasias mais sórdidas de ser dominado. Eu aceitava e, aceitando, ela se excitava.
As vestes estavam jogadas. Meu sexo rígido apontando para aquela materialização de paraíso. E ela encarava cada detalhe do meu corpo como se eu fosse o mapa de um novo mundo. Era assim, lindo pela observação e seco de toque. Eu queria me mexer, mas não podia, porque ela não havia ordenado. Tentei ver por detrás da lingerie, apesar de me contentar facilmente com a arte final de seu corpo emoldurado naquelas vestes.

- Faça o que quiser de mim! – Ela disse logo após deslizar vagarosamente a língua por meu ouvido esquerdo.

Fiquei numa espécie de transe. Eu podia ver o desenho exato de suas curvas em luz tênue. Ela estava molhada de vontade; e eu, duro de apetite. Abracei-a conforme mandam as regras da sedução e, penetrei-a de pé, sem invadir um centímetro sequer do teu sexo. Como eu fiz isso? Comendo o êxtase e deixando-a provar do meu.
Ficamos parados, roubando calor e aquecendo um ao outro. Vilipendiamos o orgasmo em forma e mimetizamos as sensações do prazer real.
A luz tênue se apagou e sobramos, imersos na escuridão deliciosa de nossos corpos.

PS: Continuem a mandar sugestões de temas!

sábado, 12 de maio de 2007

Grão de areia e desafio

Um grão de areia está triste, perdido no meio de bilhões e bilhões de outros grãos. Ele procura por uma grãozinha, mas não encontra. Todas que conseguem mexer com a sua cabeça, são leves, de modo que voam facilmente com qualquer brisa do mar ou piscadela de outro grão, sobretudo do RicarGrão. As reclamações existentes encarnam-se numa dinâmica: “não sou denso, estou clarinho e em forma, entretanto, não acho ninguém pra casar”. Ele é de família. Só atinge os olhos de pessoas decentes e sempre se lava em mares alheios, desde que possuam emissários submarinos. De vez em quando, ele gruda no bumbum de alguém na praia. “E daí”?, pensa. A paixão do brasileiro é a bunda mesmo! Mas isso acontece aos montes. Sabe, a pior coisa em ser grão de areia é ter o deserto como porto seguro.

No mundo de hoje, histórias como as de um grão de areia estão fora de moda. Por isso, resolvi escrever sobre coisas pouco comentadas na mídia ou nas casas. Seja cera de ouvido; coceira nas partes íntimas; excitação indesejada (se é que possível... ahaha) no carro ou no ônibus; barriga que esconde o cinto ou porque homem de terno e gravata nunca é atropelado (e muitos outros). Estou, a partir de agora, topando o convite que a DAN PLOC me fez para participar de desafios literários. Portanto, desafio vocês a me desafiarem! Mandem sugestões de tema, contos, de dissertações, de monografias, de teses, de poemas, de histórias e eu escolherei algumas das sugestões para dissecar!
Conto com a colaboração de todos!

terça-feira, 8 de maio de 2007

Preservando a natureza humana

Não pode sentir o que eu sinto agora. Não pôde sentir o que eu sentia. Não sentirá o que vou sentir amanhã. Sou tato e você insensível. Enquanto me despisto na horizontal, seus passos continuam se distanciando pela vertical. Latitudes e longitudes não são capazes de localizar a dor em meu peito, porque ele se espalha velozmente, mais rápida do que a luz. Transformo-me em indeterminada, hiato. Se não me acho, reencontro o farol naquilo que está perdido.
Por mais que seu membro esteja envolto ao plástico, meu prazer é real, surreal! Mas vale a pena. Posso ser penetrada por todos os males espirituais que o teu pau venha me causar, porque dos males físicos, a camisinha me protege. Será que existe um preservativo para a mente?

Assista até o fim e preserve-se!

sábado, 5 de maio de 2007

Estação Central

Esse trem faz um trajeto comum pelos trilhos finitos da ferrovia. O vento do norte, cortando o alumínio que encobre a parte externa do veículo, desaparece no primeiro vácuo. As mãos desunidas tentam se agarrar nos ferros que balançam. É a inércia prevalecendo, levando-os de um lado para o outro e fazendo com que voltem ao mesmo lugar. Na parte de fora, paisagens nascem, somem, pedem auxílio, reclamam desdém. Entretanto, é necessário que o trem continue o percurso. Tem gente esperando na próxima parada.
Existem aqueles que teimam em se preocupar com o que acontece do outro lado. Coitadinhos. Não adianta tentar puxar a cordinha ou disparar o alarme de emergência que faz o trem estacionar. Só resta a eles olhar a paisagem, ver as desgraças e alegrias, sem participar de nada. São espectadores que não possuem o direito de interagir, por mais que dê aquela vontadezinha de penetrar na vida alheia.
Enfim, chegam à Central. Os muitos passos se multiplicam, ecoam no solo fértil e febril da cidade. A correnteza de pensamentos segue pela contramão: todos querem voltar – o quanto antes - para a nascente, mas nenhum deles sabe o caminho. Sobrou apenas o vagão, inerte a tudo isso. As horas se esvaem pelos ponteiros mais calmos e apressados.
Na plataforma, algumas oportunidades desperdiçadas, sonhos que nunca se realizarão e a tal esperança que, realmente, nunca morre – porque quem morre é você. O intervalo está terminando. A locutora oficial da estação já vai fazer sua chamada: “trem da Central com destino à...”. Embora a voz seja bem clara e suave, outros afazeres a tornam inaudível. Contudo, é sabido que não se pode deixar escapar a chance de entrar no trem e voltar pra casa, pois o descanso é precioso e necessário. Amanhã, caso o galo não cante bem cedo, é capaz da ferrovia estar vazia, sem aquele trem, porque ele não tem a obrigação de esperar. Se no vagão é possível ver a vida dos outros, fora dele, a sua vida se torna a dos outros. Então, não perca a hora: o seu centro não é a Central; é a Central que é o seu centro.

domingo, 29 de abril de 2007

Trivialidade suburbana

- Por favor, socorram a minha filha! – gritava a mãe desesperada, numa rua movimentada da zona norte do Rio.
Uma criança, aparentando pouco mais de dez anos, cai no chão. Outra vítima nascia através do ventre da rotina carioca. A correria foi generalizada. Enquanto a maioria procurava uma forma de se esquivar (ou se esconder) dos tiros, a mãe, solitária em angústia, cuidava de sua cria.

- Me ajudem pelo amor de Deus! – continuou a suplicar.

Ninguém ouvia. Os policiais estavam do outro lado, duelando com os traficantes; as pessoas mal escutavam os próprios pensamentos e só tinham um objetivo: fugir daquela situação.

- Tudo bem, mamãe. Eu vou ficar boa – sussurrou a menina.

Uma pequena poça de sangue se formava no asfalto irregular. A mãe não podia tirar a filha dali, porque tinha medo de causar uma lesão ainda maior nela. “Não sei se a bala atingiu alguma área frágil”, indagava o instinto maternal. O tempo seguia a sua trajetória e o choro de agonia aumentava. Era possível sentir o cheiro de pólvora da guerra urbana.

- Você é linda, meu rebento. Mamãe vai cuidar de você.

O tiroteio estava diminuindo. Finalmente a policia havia tomado o controle do confronto. Duas das pessoas que correram quando o clima estava tenso, voltaram para ajudar filha e mãe. Os anjos, enfim, conspiravam a favor.

- A ajuda está vindo, minha menina!

Lágrimas misturadas com euforia tomaram conta do momento. Os rapazes chegaram para ajudar. Enquanto a mãe se levantava e pegava o celular de um deles para ligar ao hospital, a menina, que antes tremia, não esboçou mais nenhum movimento. Era tarde demais.

- Abra os olhos, queridinha! – gritou a mãe, batendo forte no rosto da criança.

Não havia pulso. A garotinha estava morta, mergulhada em seu próprio sangue. Todas as possibilidades de uma salvação foram descartadas. Aquele pequeno corpinho não sugaria mais oxigênio. Uma hora e meia após o término da batalha urbana, o coronel envolvido no confronto faz um comunicado à imprensa: “a operação foi um sucesso. Hoje, 13 bandidos foram mortos e apenas um inocente morreu, por bala perdida.
Tudo se resolveu. Do lado da imprensa, a manchete estava garantida; a policia havia cumprindo o seu papel e o “dia estava salvo”, ao passo que outra criança entrava para uma triste estatística.

- A minha menina era inocente, seus desgraçados! – berrou a mãe, ignorando uma premissa interessante e cruel: “as balas perdidas nunca atingem um culpado”.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Suicídio do suicídio

Cortei meus pulsos e esperei. Vi o sangue escapando em câmera lenta, sujando o chão encerado do banheiro. Seria a morte dando “boas vindas” devagarzinho? A fraqueza natural começou a se manifestar; o rito de passagem estava prestes a ser cumprido, ao passo que eu iria para um lugar melhor, encontrar Deus, talvez.
Conforme a consciência se esvaía, o desejo de morrer também perdia força. Deus já não era prioridade, apesar Dele estar fixo na minha cabeça, presente em preces. Agora que o meu plano funcionou, eu quero mesmo é voltar no tempo, pegar a navalha que utilizei e me preocupar apenas com a barba por fazer. Sinceramente, nunca pensei na morte como passarela, mas acho que estou muito feio para morrer. Eu deveria ter feito as unhas, aparado os cabelos, depilado um pouco o peito, roubado um beijo da vizinha gostosa... no entanto, a última lembrança que terão de mim é a de um homem – ou menino - desleixado, o qual não tinha outra opção a não ser a morte mesmo. Não quero que pensem isto. Eu escreveria um bilhete explicando tudinho, porém, só fui me dar conta disto neste instante.
O pior de tudo, é que não consigo mais me mover, estou com poucos reflexos. Se eu pudesse, pegaria o telefone e ligaria para alguém vir me ajudar a fazer o sangue parar de jorrar. Será que meus olhos se fecharão automaticamente ou eles ficarão abertos? Sei lá. Os meus p-e-n-s-a-m-e-n-t-o-s e-s-t-ã-o c-a-d-a v-e-z m-a-i-s l-e-n-t-o-s e c-u-r-t-o-s, enquanto sou atingido pelo arrependimento. Até as coisas estão rimando na minha mente. Maldita a hora que fui cortar os pulsos! Seria bem mais fácil se eu tivesse dado um tiro na cabeça ou me atirado de um precipício. Nunca imaginei que a possibilidade de pensar durante os momentos que antecedem a morte, fosse me fazer dar valor a vida. Ou pior: dar valor ao que eu ainda não tive a oportunidade de viver.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Viúva negra

Ela serpenteia o corpo da pobre vítima apaixonada. Usa-o ao seu bel prazer, deixando penetra-se pelo instrumento do macho. O sexo é bom, rápido e frágil. Gigante em sua teia de agonia e satisfações recatadas, nossa viúva respinga um pouco de seu suco: ácido, quente e mortal.
Terminou. Depois de ser “comida” pelo macho, o golpe final pôde ser dado:


- Agora que teu sêmen é meu, faço tua a minha morte.

E ele morre feliz, em estado de êxtase, cumprindo a profecia numa transa tão maravilhosa quanto finita. Breve, feito a vida de qualquer homem, e suave como o momento que sucede a gozada. Acaba-se o orgasmo e sobra marasmo.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Minha portuguesa

Venha com seu sotaque
Me ataque, me ataque...

Não me venha com artigos
Seus castigos doem
O que digo é finito
Suas reações não:
Porque grito e finjo por você

Seus substantivos não nomeiam
Tampouco incendeiam coisas
São inexistentes em forma
São inexistentes em conteúdo
Puras sílabas mal separadas

Explique-me suas rimas
Sempre terminam com “dor”
Mas não vou cometer o mesmo erro
Você imitou Judas
E eu não fui traidor, conspirador...

Aqueles verbos são cruéis
Pois estão conjugados da pior maneira
Nem o seu “ter”, tem
Nem o seu “ser”, é
Comigo e com ninguém


Do seu sotaque eu me defendo
Correndo, correndo...

sábado, 14 de abril de 2007

Balanço e gravidade

Empurra o BALANÇO da criança na praça. Ela vai e volta, SORRINDO e pedindo mais. A gente repete o movimento, levando Aninha (a criança) outra vez ao céu, enquanto a GRAVIDADE a trás de volta para a terra. É um pêndulo que termina o ciclo sozinho. Depois de um tempo, a criança não precisa mais de ajuda, ela já consegue buscar IMPULSO SOZINHA - voa e pousa sem que ninguém a impulsione. A companhia é apenas aquele velho balanço, CONSTRUÍDO PELA PREFEITURA, numa época em que a eleição se aproximava.

O outono passou e mais uma eleição estaria por vir. A falta de emprego, a comida que não chegava à mesa: tal miséria estava disposta em não pedir dispensa. No vai e vem da vida, a própria vida de Samuel resolveu servir de BALANÇO. Ele se equilibrava da maneira que podia. Tentou durante muito tempo pedir ajuda, um emprego, um curso. Mas os governantes não estavam atentos para a GRAVIDADE do problema. Aliás, em todos os sentidos, gravidade acaba sendo tudo aquilo que nos empurra para baixo, que nos diminui em nossa insignificância.
Cansado de tentar se BALANÇAR SOZINHO, Samuel SORRIU da situação, arranjou uma arma no morro e foi viver de assaltos. Durante alguns meses, a nova profissão deu certo. Foram cinco assaltos realizados com sucesso. No sexto, resolveram parar o balanço de Samuel. Próximo a uma praça, enquanto praticava o crime, o nosso personagem foi surpreendido por policiais. O tiroteio era inevitável e Samuel teve o seu caminho selado: quatro tiros (um na cabeça, dois na altura do peito e um na mão esquerda). Mesmo assim, muitas balas não o atingiram, assim como nenhum de seus tiros havia atingido os policiais. As munições ficaram a mercê da gravidade e, uma delas – que tinha passado de raspão quando Samuel ainda estava vivo – achou o seu destino num BALANÇO CONSTRUÍDO PELA PREFEITUTA, o qual Aninha brincava.

No dia seguinte, para duas famílias, não havia mais balanços, mais sorrisos, mais fome. Apenas a gravidade permanecia intacta, puxando para baixo todas as coisas e pessoas que resolvessem ir contra a sua lei.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Eu e Ele?

Eu: Quem é você?
Ele: Eu sou o “Ele”, né?
Eu: Por que respondeu interrogativamente?
Ele: Você não acabou de fazer o mesmo?
Eu: ...?
Ele: Continua fazendo, apesar de não ter falado nada.
Eu: Até que enfim uma afirmação!
Ele: ...?
Eu: Ih... vai começar tudo de novo?
Ele: Não.
Eu: Vai ficar monossilábico?
Ele: Não.
Eu: Sei...
Ele: Você é gay?
Eu: Quem? Eu?!?
Ele: É.
Eu: Não! Por quê? Você é?
Ele: Também não.
Eu: Ah bom...
Ele: Por que “ah bom”...? Você é homofóbico?
Eu: Quê?!?!
Ele: Você tem alguma coisa contra os gays?
Eu: Não, desde que haja um respeito.
Ele: Mas eles teriam motivos para não respeitá-lo?
Eu: ... (fez sinal de negativo com a cabeça)
Ele: Então...
Eu: Então o quê?
Ele: Deixa pra lá.
Eu: Você é estranho, muito estranho.
Ele: Coincidência...
Eu: Por quê?
Ele: Porque penso o mesmo sobre você.
Eu: Pelo menos temos algo em comum.
Ele: Ah é!
Eu: Mas tudo isso poderia ter sido evitado se você tivesse respondido a primeira pergunta do nosso diálogo.
Ele: Pô, eu respondi.
Eu: “Eu”?
Ele: Você não. Eu!
Eu: Caraca... que conversa de maluco!
Ele: Deixe-me explicar: o meu nome é “Ele”, sacou? Ou seja, eu sou o “Ele”.
Eu: Então, se você é o “Ele”, eu sou “Eu”.
Ele: Capitou a minha mensagem.
Eu: Peraí: se o seu eu é Ele, o meu ele não deveria ser “Eu”?
Ele: ...?
Eu: Esquece!
Ele: Acho que foi por isso que inventaram os nomes próprios.

- Amor, saia já da frente do espelho! – esbravejou minha mulher.

Depois das reformas da linguagem, pronomes pessoais e tantos outros elementos, viveram felizes para sempre.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Elétrica

Ela apareceu completamente nua. Por hora fiquei excitado, querendo mostrar serviço. Acompanhei com os olhos as curvas dançantes daquele corpo escultural. Beijei o ar e me dei uns beliscões imaginando que o corpo dela já era meu. Senti a dor das unhas cravando em minha pele: não era sonho! Abaixei rapidamente o short, tranquei a porta do quarto e aumentei o volume da música para ninguém perceber ou escutar o som das “barbaridades” que estavam por vir. Acariciei um pouco meu pênis para dar a impressão de ser maior do que ele realmente é. Peguei um creme maravilhoso de massagem, esfreguei-o nas mãos e dei início à suspiros.
O atrito esquentava os dedos; dedos esquentavam toda a minha zona erógena; a minha zona erógena me fazia suar, espernear e ter uma adorável dificuldade de respirar. Eu poderia morrer ali, entregue, sem armas, sem dor. Mas não, sou muito jovem e ela também. Aquele belo par de seios ainda tinha muito que balançar com o meu ritmo ou com outros. Além disso, poucas mulheres sentiram inveja dela, do corpo em branco, sem nenhum risco de celulite ou qualquer outra marca do tempo. Com mais alguns anos, tenho certeza que a inveja alheia feminina triplicaria.
Em mente, nossos líquidos se juntam e tornam-se “uno” carnal! De repente, meus olhos começaram a tremer, envesgarem - tô quase lá! No entanto, tudo ficou escuro. A música também parou de tocar.

- Filho, acabou a luz! – gritava a minha mãe da cozinha

Eu olhei para todos os cantos do meu quarto e não vi ninguém. A cama estava suada, mas era apenas o meu suor. A única coisa quente - sem ser eu - era a TV, desligada pelo pico de luz. A solidão voou e aterrissou de volta. É triste saber que aquela bundinha gostosa e todo o resto desapareceram com a eletricidade, esfriando-me a um passo do gozo, deixando-me em choque.

- Filho, você sabe onde está o filme pornô que o seu pai alugou na noite passada? Não estou conseguindo achá-lo.
- ... – pensei.

quinta-feira, 22 de março de 2007

ERAS

Idade Média
“Pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar esses doces para a vovozinha...”

Numa floresta, a Chapeuzinho corria riscos. Sua avó quase foi sacrificada. Já o lobo faminto, não contava com o aparecimento do caçador. Por fim, todos – menos este lobo mau – viveram felizes para sempre.



Idade Pós-Moderna
Chapéus, bonés, gorros e quaisquer outros objetos para a cabeça – ou não -, vivem fora da rota de extinção. A selva é de pedra e as florestas não são tão plurais assim. O lobo virou casaco e a vovó está no asilo – ou nas casas de bingo. E os que insistem em viver nas alcatéias humanas, reencarnam, com a mesma fome, nos corpos de Josés, Mários, Silvios, Jacksons, Micheles... Nesta era, ninguém é bobo de ir sozinho pela estrada afora, uma vez que a frase “saio e não sei se volto pra casa” se tornou um clichê doloroso. Por via das dúvidas, enviam os doces via-sedex ou mandam a padaria da esquina entregar em domicílio. Até o caçador foi corrompido pelas mudanças: o que era uma “ingênua” arma de caça, transformou-se em tanques de guerra, metralhadoras, mísseis. As serras e cerrados testemunham sons de serras elétricas e, embora a esperança ainda exista, o verde já não está atrelado a ela. Tal cor, infelizmente, foi obrigada a tirar licença das atividades denotativas e conotativas, pois está na UTI, esparramada sobre mesas, em coma profundo.
No fim, eles viverão felizes para sempre?

quarta-feira, 7 de março de 2007

Prisma humano


Descolorida é a morte. Sem aquarela, sem cores vivas, desbotada. Mas quem morre, vive, seja em lembranças boas ou ruins. E todos morrem e relembram. Nem todos vivem, porque isso não é apenas um verbo, sequer um verso. É essência, é dor e mistério. Fundamentalmente, atitude!

No Brasil não há neve como na Europa; os europeus são menos negros que os brasileiros. Até os nossos céus possuem azuis diferentes. Mas somos semelhantes nas cinzas da desgraça, do atentado terrorista ou da chacina esquecida.

Enlouquecemos juntos, com a belaza do arco-íris. Nele, uma ponte sem lei e destino nos leva para lugar algum. Cores misturadas dão origem a outras cores. Humanos misturados poderiam possuir os mesmos pensamentos? Não, pois o universo é incolor, ciano, margenta, black e yellow. A pomba, guardiam de nossa maior esperança, pode ser branca. No entanto, ela viaja pelo sentimento negro, que reside acima de nossas cabeças e atinge, em cheio, nosso coração.

O sangue é vermelho e poderia, também, ser fluorescente. Quem sabe desta maneira, as VÍTIMAS chamariam mais atenção do que a coloração das capas de jornais? Assim seguimos: numa realidade colorida, fotografada em preto-e-branco.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Gravando

Um, dois, três e... AÇÃO! Meus olhos são câmeras de vídeo vigilantes, aquém daquilo que se observa. Não possuo controle algum sobre qualquer “take”, corte ou continuação de uma cena roteirizada pela vida. No entanto, o controle remoto está onde eu possa vê-lo. O que aparece são seus passos, meus passos, todos os passos. Se após um assalto o carro o leva, arrastando seu crânio pelo asfalto, eu me arrasto contigo; sigo como espectador, empolgado e lastimando cada movimento da cena, seja ela velha ou nova. Igual aos bandidos, fico surdo, não te ouço gritar, pedir socorro. Perco a minha infância, abraçando o menino de longe; e a tal esperança transforma-se em carne viva, da mesma forma que o corpo de João Hélio e de tantos outros... Mas acreditem, eu continuo vendo.
A audiência solitária resumi-se em audiências solitárias. Milhões de células multiplicam-se. De repente, o “um” vira “dois”, o “dois” vira “quatro” e o processo continua. Cada qual tem alguém do lado, assistindo e sendo assistido. Quando uma bala perdida encontra a cabeça de um rapaz que fora a procura de um emprego, além da morte, vejo o acaso. Aliás, o acaso nunca foi tão repetitivo como agora.
Nas estatísticas, me vejo. Noto também mortos-vivos, vivos-mortos, construindo alternativas para tais números.

....Um momento, vou limpar as lentes...

Pronto. Estou de volta. Um, dois, três e... AÇÃO! Consigo partir para outro capítulo: muitas pessoas revezando-se, com raiva do mundo. Se elas fazem isso, meus olhos também o fazem. Sou voluntário do meu desejo e, principalmente, dos desejos deles. Porém, neste instante, eu tenho o poder de dar “Stop”. E, honestamente, não quero fazer isso.

Continuo remontando a realidade com visões alheias. Paradoxalmente, faço parte das visões. Eu sou o “alheio” para eles. Sendo assim, eles remontam a realidade através de minhas observações. E de novo, e de novo, e de novo. Recorto um diálogo aqui, alguns efeitos especiais na cena dali, uma musiquinha para dar clima e mais luzes. Se eu quiser, consigo ser diretor deste espetáculo. Todavia, dá muito trabalho, embora volta e meia eu apareça como figurante. Independente disto, tenho convicção de que o meu papel não pode ser interpretado por terceiros. E eu, na mais estranha janela social-virtual-real, me deixo ser filmado, enquanto estou filmando.

Ás vezes, chego tão perto dos acontecimentos que, inevitavelmente, respinga sangue nas lentes – e/ou lágrimas. Por isso, tenho sempre à mão uma flanela para tirar essas tipo de dejeto do visor. Fazer o quê, né? É o ócio do ofício...

Hum... acho que esse depoimento não ficou bom. Vamos aguardar um pouco. Fiquem todos em seus lugares, esperem o momento certo e...
- Chefe, quando será o momento certo? – meus olhos perguntaram para o meu cérebro.
Diante da interrupção, o cérebro respondeu:
- Ligue a câmera, abra-se e espere. O nosso momento certo, será o momento errado dos outros.
Fez-se silencio no estúdio e, poucos minutos depois, um menino de 12 anos mata a avó, a facadas. Eu pude ver o reflexo do meu rosto naquela faca; me preparei para cada segundo de drama e, como já faço há muito tempo, não chorei.
- O senhor tinha razão, chefe. Foi só esperar que aconteceu. – Disse "os olhos".
- Não entendo a sua surpresa. Isso é o que mais você tem feito nos últimos tempos. Será que ainda não percebeu que essa fórmula funciona?
- Chefinho, eu sou apenas “os olhos”. Esqueceu que é o senhor quem deve pensar por mim?