quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Nossa prisão

Solitários nas solitárias urbanas. Comemos, bebemos, assistimos TV, vivemos conectados ao mundo. Por todo canto uma algema, uma corrente invisível., tão flexível que não nos deixa reparar na nossa prisão. “Sorria, você está sendo filmado”. Duas imposições numa mesma oração: sorrir e ser filmado. Não queremos rir - pelo menos não na frente das câmeras, sem antes sermos consultados. E não são bem esses tipos de orações que precisamos.

Voltando à nossa solitária, um pouco maior do que aquelas existentes nos presídios literais, por assim dizer, recorremos as trancas nas portas, ao rádio baixo pra não incomodar o vizinho, aos modernos costumes caseiros em geral. Em nenhum desses casos, há uma verdadeira necessidade de sairmos do nosso pequeno mundo para visitarmos outras solitárias. Poucos têm um plano de fuga.

As recordações de uma infância - não muito distante - nos levam à última geração dos que se rebelavam. De certa forma, a vida era nossa refém. Hoje, somos muito mais reféns da vida, com pouquíssima chance do nosso resgate ser pago. É cada vez mais raro vermos aquela molecada correndo pelo asfalto (ou barro), curtindo os piques-pega, piques-esconde e por aí vai. Os últimos remanescentes dessa rebelião têm entre 20 e 30 anos. No decorrer da vida, eles se encaixaram no sistema prisional cotidiano, seja pela violência urbana, pela “facilidade” tecnológica que se encontra na cela ou, simplesmente, pela preguiça - ou receio - de um “retrocesso racional”, caso efetuem outra rebelião.