quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Nossa prisão

Solitários nas solitárias urbanas. Comemos, bebemos, assistimos TV, vivemos conectados ao mundo. Por todo canto uma algema, uma corrente invisível., tão flexível que não nos deixa reparar na nossa prisão. “Sorria, você está sendo filmado”. Duas imposições numa mesma oração: sorrir e ser filmado. Não queremos rir - pelo menos não na frente das câmeras, sem antes sermos consultados. E não são bem esses tipos de orações que precisamos.

Voltando à nossa solitária, um pouco maior do que aquelas existentes nos presídios literais, por assim dizer, recorremos as trancas nas portas, ao rádio baixo pra não incomodar o vizinho, aos modernos costumes caseiros em geral. Em nenhum desses casos, há uma verdadeira necessidade de sairmos do nosso pequeno mundo para visitarmos outras solitárias. Poucos têm um plano de fuga.

As recordações de uma infância - não muito distante - nos levam à última geração dos que se rebelavam. De certa forma, a vida era nossa refém. Hoje, somos muito mais reféns da vida, com pouquíssima chance do nosso resgate ser pago. É cada vez mais raro vermos aquela molecada correndo pelo asfalto (ou barro), curtindo os piques-pega, piques-esconde e por aí vai. Os últimos remanescentes dessa rebelião têm entre 20 e 30 anos. No decorrer da vida, eles se encaixaram no sistema prisional cotidiano, seja pela violência urbana, pela “facilidade” tecnológica que se encontra na cela ou, simplesmente, pela preguiça - ou receio - de um “retrocesso racional”, caso efetuem outra rebelião.

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Muitos pontos

Céu estrelado. Cheio de nuvens. Como vejo estrelas? Olhando por detrás. Ou batendo a cabeça. Não uso óculos. Objetos me cegam. Uso roupas por usar. Senão, sou preso. E vivo em liberdade. Livre feito pássaro. Na gaiola da sociedade. Lá, não há estrelas. Se tento fugir, pow! Pego perpétua. Muros ao redor. Isso virou fronteira? Se pulo, caio do outro lado. Chão de cacos de vidro. Assim, me corto. Muitos pontos...

sábado, 21 de outubro de 2006

Sem Z


Na matemática, Z representa o conjunto dos números inteiros.

Aqueles malditos homens, inventores do alfabeto que conhecemos hoje, foram muito charlatões ao colocarem um sentido ao símbolo “Z”. Ser o ultimo, em muitos casos, não é ruim. Entretanto, quando estamos falando de toda uma possibilidade de linguagens e conquistas, acredito, sem nenhum medo, que a letra em questão veio para não ficar. Vejam os exemplos claros: paZ, xadreZ, Zarabatana, Zaga, Zona, ZeZé di Camargo... enfim, todas essas palavras não caíram no gosto do povo, exceto Zona. Quem sabe não poderíamos construir um mundo melhor para os nossos filhos se a letra “Z” fosse definitivamente abolida do nosso dia-a-dia? Tenho plena convicção do que estou falando, porque, pouco a pouco, a minha teoria se confirma. Normalmente, algumas das principais palavras que se iniciam com a letra “Z” são invariavelmente substituídas por seus sinônimos. Observem:

Opção descartada: Você é muito Zureta da cabeça.
Opção utiliZada: Você é muito maluco/doido da cabeça.

Opção descartada: Estou Zangado contigo.
Opção utiliZada: Estou irritado/puto contigo.

Opção descartada: Por que você está Zombando dele?
Opção utiliZada: Por que você está caçoando/Zoando dele?

Opção descartada: Vamos Zarpar, marujos!
Opção utiliZada: Vamos levantar âncora, marujos!

Os exemplos existem aos montes. Pensem bem: um texto não perde a sua essência quando se tira a letra “Z” dele. Agora, vá tirar a letra “R” ou “S”... PutZ, o seu texto morre, ou fica cambaleando a ponto de perder a respiração. Uma veZ, alguém me disse que o melhor texto já escrito, foi aquele que utiliZou todas as letras em poucas palavras. Concordo. Porém, a nossa vida não seria mais fácil se ao invés de 23 letras o alfabeto possuísse apenas 22? Teríamos uma oportunidade, um pouco maior, de inserirmos todas as letras numa só crônica, ou numa só poesia. Mas deixo de pensar nessa alternativa quando, relendo o que ouvi, descubro que ela me foi dita de forma figurada. Voltando a discussão inicial, não me vem a mente, nenhuma palavra, primordial para a existência humana, que possua o “Z” como seu alicerce. Até mesmo no sexo, não existe nada que remeta a essa tal letra, senão goZa essa vale a pena ser lembrada. Poxa, se o nosso vocabulário fosse uma democracia, essas coisas não aconteceriam. Então – por que não? – acabarmos de veZ com essa maldita invenção do homem.

Z é a vigésima terceira letra do nosso alfabeto

Zumbi, Zé, Zum Zum, Zuzir, Zunido, Zumbido, Zacariasesse ultimo já faleceu.

Essas palavras fariam falta ao nosso vocabulário? Nenhuma, vos digo! O único porém, neste caso, seria o desaparecimento de alguns jogadores de futebol, assim como o sumiço de apelidos infames: Zé Maria, Zé Elias, Zé Roberto, Zé Luís e... Zé ninguém, Zé rolha, Zé povinho... São inúmeras as razões para eu e você virarmos as costas para essa letra que deturpa toda a volúpia de uma gente que quer falar mais, ganhar mais, sorrir mais. Aí, diante de toda essa briga, aparentemente inútil, me vem aquele velho principio que rege o mundo. Uns chamam de ação e reação. Outros de bem e mal. Por veZes, ouvimos, céu e terra. Porém tem gente que prefere o fogo e a água. Tendo a dualidade como opositora à meus argumentos sobre a extinção da letra “Z”, em silêncio, me rendo. Pelo que parece, a oposição que rege a minha vida, é mais simples e, ao mesmo tempo, ingrata comigo mesmo: Enquanto uns são “+” e “-“ ou amor e ódio, descubro, para a agonia de meu texto, que sou “A” e “Z”... e, embora tente, não posso mudar isso.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Vida louca

Pelo rádio, os cânticos dos Racionais MC´s ressoam dentro de um pequeno barraco, numa favela qualquer do Rio de Janeiro: "...Tudo, tudo, tudo vai, tudo é fase irmão, logo mais vamos arrebentar no mundão. De cordão de elite 18k...". E continua: "... pobre é o diabo e eu odeio ostentação. Pode rir, ri, mas não desacredita não. É só questão de tempo o fim do sofrimento, um brinde pros guerreiros..."

- Tranque a porta, porque o bagulho tá doido hoje.
- Tudo bem, meu filho, mas venha jantar antes de sair.
No dia-a-dia da guerra urbana, a fome não é saciada com comida. Os alimentos na geladeira são cadáveres de facções rivais. O pãozinho quente com manteiga, é o corpo ensangüentado do PM que tentou prender o dono da boca-de-fumo. Aqui, a fome é tratada no laço, sem direito a sobremesa. Ninguém cospe no prato que comeu, caso contrário, comerá o pão que o diabo amassou.
No calcanhar do movimento alternativo, o comércio se fortalece:
- Pó de dez, maconha de todos os preços!
- Dá um aí, chefia.
Quando a boca fatura demais, o olho grande dos rivais e da polícia aumenta. São dias e noites flertando com a morte, pagando o demônio a prazo. Às vezes, o povo fica encurralado diante dos tiroteios. Tem gente que até estranha quando a bala não come.
Tipo, como um soldado do morro, busco meu espaço - quero chegar a ser gerente! Mas o caminho é cheio de espinhos venenosos, além de cheirar a marola. A minha fé, sustenta a esperança de um dia chegar lá no topo, haja visto que essas coisas não acontecem de uma hora para a outra. Por falar em mudança, já posso ouvir uns pipocos. Logo, logo, serei chamado pra ajudar na contenção. Tá ligado que eu não posso deixar de dar uma moral, né? Mas antes, vou seguir o conselho de minha velha e jantarei. Um homem não pode ir para a guerra sem nada na barriga. Como dizem os sabidos: "saco vazio não pára em pé".
- Me passa o feijão, mãe.

Ainda no mesmo barraco, a música dos Racionais já está próxima do fim: "... O caminho da feliciadade ainda existe: é uma trilha estreita em meio a selva triste...". O refrão, embora perdido no inconsciente, reflete a verdade escondida através dos números e notícias superficiais de jornais: "... Meus guerreiros de fé, quero ouvir, quero ouvir: ´programado pra morrer nós é, certo é, certo é, dê no que der´..."

- Mãe, tô saindo agora. Não esqueça de fazer o que lhe pedi.
- Tá bom meu filho. Toma cuidado e vá com Deus.
- Obrigado, mãe. Se tudo correr bem, estarei aqui antes do amanhcer. Ah, desligue o rádio, coroa. Tchau.

Assim que o filho saiu, a mãe trancou a porta e foi abaixando lentamente o volume da música: "... porque o guerreiro de fé nunca gela, não agrada o injusto e não amarela. O Rei dos reis foi traído e sangrou nessa terra, mas morrer como um homem é o prêmio da guerra. Mas ó, conforme for, se precisar afogar no próprio sangue, assim será! Nosso espírito é imortal, sangue do meu sangue. Entre o corte da espada e o perfume da rosa, sem menção honrosa, sem massagem. A vida é louca, nêgo, e nela eu tô de passagem...".
A música acabou e tentando não pensar no que ouviu, a mãe desligou o rádio e foi orar.

sábado, 30 de setembro de 2006

Mania de perseguição ou estou sendo dramático?


Entro na sala de aula da faculdade. Tão logo, sento-me no cantão para não atrapalhar os outros que já estavam lá. O professor começa a explicar a matéria, enquanto os alunos anotam em seus cadernos o que acham mais importante. Diante do blá, blá, blá diáro das liçôes de teoria, levo-me a um outro nível de observação. Então, silenciosamente analiso todos ao meu redor. Um, dois, três... 25 alunos. Destes, apenas três são afrodescendentes. Estou sendo dramático?
No mesmo dia, aproveito para passar nas Casas Bahia, olhar alguns preços, enganar meus olhos com farturas materias que ainda não tenho. Vou de um lado para o outro, assim como o resto dos consumidores "normais" fazem. Mas há algo de errado, sinto que estou sendo seguido. Para todo lugar que vou, um segurança vai atrás. Talvez, se eu fizer qualquer movimento brusco, ele parta pra cima de mim, tentando evitar mais um assalto diário criado pelos esteriótipos sociais. Assalto?!? Eu!?? Cheguei a seguinte conclusão: nos dias de hoje, não podemos mais usar touca, bermudão e deixar a barba crescer. Se vc faz isso - além, claro de ser negro ou "quase negro" - as pessoas já te olham de maneira torta, de maneira comparativa.
- Olha só, aquele cara parece um marginal, né?
- É mesmo. Vou manter meus olhos bem abertos.
E na repetição de diálogos como estes, a sociedade acaba por criar uma nova categoria de "bandidos": aqueles que não se adequam aos padrões visuais e étnicos. Estou sendo dramático?
Agora já é outro dia, outro lugar. Para variar, chegarei atrasado nas aulinhas de inglês. Digo a frase que venho repetindo ao longo de dois anos: "Sorry, I´m late". Em seguida, sento-me rapidamente. Às vezes o sono bate, no entanto, mantenho-me firme, acordado. No meio de outra distração, faço novamente o ritual que fiz na faculdade. Um, dois, três... 15 alunos. Destes, apenas três são afrodescendentes. Estou sendo dramático?
É interessante afirmar que algo muito estranho acontece - e não é apenas eu que falo isto. Basta darmos uma passadinha rápida no site do IBGE, para analisarmos as seguintes estatísticas: 12% da população brasileira se considera negra; 35% pardos ou afrodescendentes (Em sua grande maioria, negros que não se consideram negros); 50% brancos; e 2% outras etnias. Então, por que só têm três afrodescentes (ou negros) no meu curso inglês e na faculdade, respectivamente? E olha que eu nem mencionei outras "minorias". De fato, a matemática é uma ciência exata. Porém, numa observação mais profunda deste panorâma, constato que a realidade não entra em acordo com as proporções sociais. Os números podem até ser exatos, mas as pessoas são humanas - e não sabem fazer conta - no sentido mais cruel da palavra.

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Texto sem fim

Descupem-me leitores queridos, mas estou som sono. No meio de tantas luzes, eu só enxergo as cores do silencio deste canto semi-deserto: meu quarto. Vejo um monte de lapsos sinuosos, ao passo que brigo com meus olhos para mantê-los abertos. É difícil.
Ás vezes tento me auto-flajelar para ressussitar as partes que insistem em morrer, pelo menos 6 horas, todos os dias. Quero suportar mais um pouquinho até chegar as linhas definitivas deste texto. A música de James Blunt, faz o meu drama crescer. Parece que, naquelas palavras em inglês, ele me diz: "Paulo, dorme com os anjos". No entanto, eu não quero dormir! Na minha ignorância sonolenta, tento diminuir o volume, pensando que a guerra travada entre mim e o bocejo será menos árdua. Se por acaso eu perder a primeira batalha, amanhã, não saberei como continuar essas...
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz...

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Xixi também é história

A bexiga parece que vai estourar. Corro para o banheiro, mas está ocupado. Começo a virar os olhos, desesperado, pensando que a qualquer momento alguma coisa de ruim aconteceria. Peço a Deus e a todos os santos para que aquela porta se abra.
- Desocupa isso, logo! – eu grito.
- Espera um pouquinho – retruca minha mãe.
Fico andando de um lado para o outro, cantando músicas que não gosto e, até mesmo, que não conheço. Nunca imaginei que o quadro de uma planta sendo regada chamaria minha atenção. Em outras palavras, não consigo olhar para nada que se pareça com liquido, sem que me dê vontade de arrombar a porta deste banheiro.

3 minutos depois...

Nada, de minha cintura para baixo, respeita as ordens que vêm de cima. Eu sinto que minúsculas gotas saem do meu pênis, enquanto eu fico inerte, sem a oportunidade de dizer “tchau”. É, de fato, uma guerra que estou perdendo aos poucos: a cabeça inferior vence, neste caso com facilidade, a cabeça superior. Como não quero comprometer as duas, resolvo sentar-me, cruzar as pernas e ficar em silêncio.

7 minutos depois...

Ouço a porta rangendo. O som é como sinfonia para meus ouvidos. Descruzo as pernas, quebro o silêncio e, antes da minha mãe dizer que o banheiro está vago, já estou lá dentro. Sem cerimônia, abro o zíper, seguro o meu bilau e o aponto para o vaso sanitário. “Deixa a vida me levar, vida leva eu...”, “vou deixar a vida me levar para onde ela quiser...”, “Vida louca, vida. Vida breve. Já que eu não posso te levar, quero que você me leve...”. Essas são, dentre tantas, as músicas que me conduzem nesse instante de pura magia.
Enquanto eu manobro o pinto, meus olhos percorrem o caminho do xixi. Parece um arco-íris liquido de uma única cor. Só que no final, infelizmente não está o pote de ouro, embora a cor se assemelhe com o mesmo.
Ainda maravilhado com a sensação, eu inicio um clima de visões, ilusões e outras coisas “ões”. É como se um monte de estrelinhas estivessem próximas de mim e, assim sendo, com uma das mãos – já que a outra está ocupada – eu as pudesse tocar. Continuo observando o trajeto de minha urina num estado de ecxtase (estou muito hipnotizado para me preocupar se escrevi esta palavra de maneira certa ou errada). Sinceramente, sinto-me entorpecido pela sensação de alívio. Tudo isso lembra, de certa forma, o prazer do orgasmo. Mas não é. No caso em questão, o liquido não se parece, em nada, com o da ejaculação. Provavelmente, estou perdendo mais sódio do que de costume.

13,5 minutos depois...

Com cerca de 500ml despejados no vaso – mas ainda mandando ver no pipi -, um belo fim aproxima-se. Entregue as necessidades biológicas, deixo-me levar por mais miragens tolas. O fluxo do Nº1 (xixi) projeta imagens na minha mente: dá para ver um monte de sereias correndo pela praia, tentando pescar homens em terra firme. Elas debatem-se na areia com suas nadadeiras cintilantes, ao passo que eu pego um balde de água para lubrificar aqueles peixões! Sempre depois de uma pesca bem sucedida, encarrego-me de pegá-las no colo e levá-las para o mar. Posteriormente, os homens pescados, seguem na mesma direção, arrastados na areia pelo anzol trincado em seus dentes. De repente, tudo começa a girar bem rápido e, gradativamente, as coisas que vejo e vivo, vão literalmente por água abaixo. Deveria ser assim. O ciclo estava chegando ao final. Eu acabei de apertar a descarga.

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Dia comum

“Por que aquele monte de gente tá ali?”, pensei quando estava no caminho da faculdade. Seguindo os rastros daquela multidão, cheguei ao que provocava a muvuca: um corpo estendido no asfalto, coberto por sangue, que percorria o rosto inchado e servia como alimento para algumas moscas. Embora apodrecendo ao sol de 35º, o cadáver mantia-se firme, com os olhos abertos. Ainda embriagado com a poça de sangue – que refletia a face do povo curioso -, resolvi perguntar o que acontecera à um transeunte:
- Pô bicho, o que rolou ali? – perguntei.
- Acho que foi um motoboy que tava passando na hora do tiroteio e aí foi confundido com bandido.
- Hum... é foda, né?
- Cê vê. A gente não pode nem trabalhar tranqüilo mais.
Dei uma olhada no relógio – estava atrasado -, pedi desculpas para uma mulher em que eu havia esbarrado e direcionei a minha atenção para o moribundo novamente. Tudo bem, o cara não teve culpa na história, mas, infelizmente, estava no lugar errado e na hora errada.
Num determinado momento, imaginei o que a mãe dele sentiria ao vê-lo jogado, apagado, simplesmente morto. Provavelmente as lágrimas da coroa juntariam-se ao sangue no chão, dobrando, talvez, o volume daquela poça. Quiçá até aconteceriam manifestações envolvendo amigos e familiares do tipo: “Queremos justiça!” ou “Mais um inocente assassinado!”. Porém não dava para ficar pensando mais sobre esse caso. A minha aula já começara, ao passo que eu permanecia ali. Virei-me de costas e, assim como muitos trabalhadores que estavam no local, fui para o meu primeiro destino, assassinando, de vez, a minha curiosidade.

quarta-feira, 5 de julho de 2006

Já aprendi dizer adeus

Derreteu-se o gelo polar. Mas esse iceberg ficava mais ao sul, pertinho do Oceano Atlântico. Novamente, o calor à base de combustível (leia-se Zidane) e comburente (leia-se falta de vontade do Brasil) foi o bastante para deter o sonho de 180 milhôes de cidadãos. A regra é clara, tal qual a vida: enquanto uns choram, outros festejam. Na França, 80 milhôes de habitantes gritam, bebem, cantam e pulam, ao som do hino nacional, devido a grande exibição do maestro de sua seleção de futebol. Por que logo ele de novo? Por quê?
Daqui, meio exausto, ao lado de muitos companheiros e amigos, eu me martirizava por dentro. Mal sabia eu que, os messias do futebol, brincariam com o destino. Parreira, muito criticado, desde o início da Copa, devido ao seu "quadrado mágico", dava um ligeiro sinal de que ouvira o multidão aflita, pedindo por mudança no time. Ao sair a escalação, Adriano estava barrado e, em seu lugar, inesperadamente, entraria Juninho Pernambucano. Um pouco mais atrás, outra surpresa: Gilberto Silva substituiria Emerson. Digamos que, 90% do mínimo ele havia feito. Por outro lado, o nosso mestre das pedaladas, continuava trancafiado pelas certezas incertas do esquema tático de Parreira, o que acarretou na sua permanência na reserva, embora fosse o substituto direto de Adriano. Ou seja, nem 10% do máximo, que o técnico poderia fazer, foi feito.
Começa o jogo. A apatia de partidas anteriores se repete. Tão logo, observamos um Zidane inspirado, pronto à repetir o filme 1998. Com o seu território dominado e sem força ofensiva, o Brasil contava, somente, com a raça de Lúcio e a tranquilidade de Juan. De resto, nada. Houve momentos em que eu pensei que tudo fosse uma estratégia do Parreira, afim de cansar o time francês. Que nada! Eu que, em toda minha vida, me orgulhara de não ter bebido mais que 2 litros de skol, só nesse dia, tomei duas garrafas pequenas. Tudo bem, o refrigerante tinha acabado e não havia água na casa. Não foi o suficiente para me embreagar, porque a insalubridade do time canarinho e a objetividade francesa, me deixava sóbrio e apavorado.
E rola a bola no segundo tempo. Um pouco mais calmo e esperançoso, dou um voto de confiança aos nossos "craques". Todavia, não aconteciam jogadas trabalhadas pelo time brasileiro. O Cafú, com o peso dos seus 34 anos, matava todas os nossos lances de contra-ataque. Nisso, a minha esperança foi morrendo junto com o esquadrão verde-amarelo (ou merde-amerelo, como estampava, no dia seguinte, a capa do jornal argentino, Olé).
Lá vem o ataque francês pela lateral. Numa disputa de bola, Cafú comete falta boba, próximo a entrada da grande área. O nosso carrasco se prepara para a cobrança, ao passo que, os jogadores brasileiros, ficam postados em campo, dando a entender que farão a linha de impedimento. Zidade olha o posicionamento dos jogadores e cruza no segundo pau. A linha de impedimento não funciona e Henry, livre, manda para o fundo das redes. Vendo o replay, reparo o Roberto Carlos (que não é o rei) na mesma posicão em que Napoleão perdeu a guerra. Seria o espírito do conquistador francês baixando no corpo do Roberto? Não. A culpa foi de algo mais material, especificamente, o meião. O nosso "querido" lateral esquerdo, se abaixou, no exato instante em que Zizu se preparava para cobrar a falta e, daquele jeito, permaneceu até o fatídico lance do gol. Iniciou-se, então, o nascimento do protagonista da perda do hexa.
O tal jogo continuou em "banho maria": O Brasil tocava de um lado para o outro, enquanto que a França marcava; o Brasil disperdiçava bolas, enquanto a França contra-atacava de maneira perigosa; O Brasil jogava com displicência e sem comando, enquanto que a França se monstrava com mais raça e equilíbrio tático. Não quero nem comprometer mais o técnico falando de Robinho. Ou melhor, vou falar sim! Todos sabem - acho que até ele sabia - que havia cometido um erro irreversível. O majestoso comandante seguia no equívoco tentando, talvez, numa jogada de sorte da equipe, transformá-lo em acerto. Passaram-se 10, 15, 20 e 25 minutos, mas nada do Robinho entrar. Quando o jogo passava dos 30, Parreira, enfim, decidiu colocá-lo. Pra variar, o menino entrou bem e deu rapidez ao time... mas a França continuava perfeita. Realmente não era o dia do Brasil. Realmente não era a Copa para Brasil. No fim, a falta de ambição do time transformou-se em choro para os espectadores que torciam por nossa seleção. Já os artístas da bola, se contentavam - estampando sorrisos amarelados e tortos - com a vitória da França. Muitos reverenciavam Zinedine Zidane... Outros, sequer, forjavam um choro. De que vale ter os melhores do mundo se o time joga em função da individualidade?
É fato que esta copa entra para história como a maior de todos os tempos. Recordes foram quebrados, principalmente pelo Brasil: nunca, antes, 180 milhões choraram por um time que não valesse 0,01% de seu valor - e tenham certeza de que, ainda assim, é muito dinheiro. Essa copa, também, entra para história como a que teve a seleção mais favorita de todos os tempos que, em compensação, deu o maior exemplo de todos os tempos, de como jogar mal tão bem.
Ps: Só me restou torcer, na semana seguinte por Portugal. Contudo, mais um vez, a minha torcida não funcionou. Porém fiquei feliz. Não pela derrota de Portugal, mas com a maneira a qual os nossos patrícios jogaram. Assim como me entristeci com o Brasil, tampouco por sua derrota, mas pela maneira como NÃO jogaram os nossos representantes.
Até 2010, na África do Sul.

quarta-feira, 21 de junho de 2006

Rapidinha sobre a copa

A bola rola sem graça. De braços cruzados, com os olhos perdidos no meio de tantos jogadores, procuro por um sinal de habilidade. Não sei bem ao certo, porém daqui, o campo parece menor. O passe de Ronaldinho Gaúcho vai na medida para o Ronaldo "fenômeno" e, como num passe de mágica, três jogadores do time adversário aparecem para interceptar o lance. Pois é, em tempos de comunicação digital, a mídia ilusionista tem mais truques do que qualquer Mister "M". Sinceramente, tenho medo que o tal quadrado mágico seja exatamente igual as leis brasileiras: só funciona na teoria.
Na TV, Galvão Bueno profetiza em monólogos absurdos. Todas as perguntas são capitaniadas por afirmações. Ao passo que, nas arquibancadas (ou nos sofás) a torcida projeta o desejo de se sentir campeã, junto com o time. "Vamos guerreiros!", diz Galvão durante sua narração. Guerreiros? Para mim, faltam as espadas, falta mais suor. Uns amenizam a situação colocando a culpa no Ronaldo. Todavia, nunca é demais lembrar que ele é (foi) "o cara"! Culpar o fenômeno é o mesmo que dizer que a equipe joga melhor sem ele. E, por incrível que pareça, até joga. Entretanto, para quem já duvidou e viu o fenômeno voltar de duas contusões seríssimas, as quais quase deram fim a sua carreira, não seria um exageiro esperar por ele mais um pouco. A seleção brasileira, como diz a mídia, é uma constelação, mas mesmo assim, necessita - e muito - do peso do Ronaldo, em todos os sentido.

quinta-feira, 25 de maio de 2006

Greve de ética

Homenagem ao nosso excelentíssimo ex governador, Anthony Garotinho.

Greve de fome

Alimento sem sal, inodoro
Não há pança que aguente
Mas tem carne vivca queimando no asfalto
Tem gente que não entende
Fome é estado de espírito
Fome é não ter abrigo
Para o arroz e feijão que não chegam a parte interna do umbigo

"A gente não quer só comida...",
Entretanto, já que não se come
Caga-se ar, merda evaporizada
O cheiro pestia o Brasil de norte a sul
E, no ventre da miséria
A guerra dos famintos- que guerra?!!?!
Vira conflito por um pedaço de terra
Terra pra plantar semente
De árvores invisíveis cultivadas com promessas
De gente que passa fome porque quer
De gente que não sabe o que é
Procurar alimento e não ver nada.
Não é mais necessário ver para crer
O paradaxo é interessante:
O povo tem fome e o governo não quer comer

sábado, 13 de maio de 2006

Fechando os olhos

Acordar todo dia e perceber o mundo à sua volta é um saco, não acha? Tudo bem, você não pensa como eu. Mas um dia pensará - estou profetizando. Faço uma proposta: tente levantar da cama, num dia qualquer, sem abrir os olhos, sem sentir nenhum golpe de luz em sua íris solitária. Tente. Sugestão: amarre uma venda no rosto para facilitar o nosso "joguinho".
Para que tudo funcione conforme o esperado, atue da maneira como você costuma levar a vida, isto é, beba café, escove os dentes, tome banho, faça cocô, xixi, se masturbe - acho que isso você já faz de olhos fechados - e por aí vai. As sensações, por mais que sejam corriqueiras, serão interpretadas de maneira diferente pelo corpo. Você sentirá mais cheiro, sentirá mais paladar, ouvirá mais... é quase que instantâneo. Perde-se a janela da alma, mas ganha-se na ampliação dos cômodos onde residem nossos sentidos.
Aonde quero chegar? Talvez eu queira chegar em lugar algum. Quem deve tentar é você, com sua experiência individual, coletiva, afetiva... eu já tentei e obtive meus resultados. Houve momentos em que a minha vontade de ver o mundo era tão grande que, mesmo com os olhos fechados, eu chorava, com vontade de sair daquela "prisão". Depois de tudo, constatei algo: sou escravo daquilo que vejo, estou a mercê de um único sentido. Já reparou como a flor fica mais cheirosa quando olhamos para ela? O mesmo serve para os alimentos que consumimos ou para as mulheres que "comemos" e que nos "comem". A visão, de certa forma, realça os outros sentidos.
Experimente fazer sexo com a venda, explorando cada parte do corpo do seu parceiro (a), cheirando, apalpando, sugando... existem inúmeras possibilidades. No fim, tire a venda para dormir. Muito provavelmente você continuá sendo o que é, todavia, garanto que o mundo ao seu redor não será mais o mesmo.

Obs: Em caso de crise de abstinência da luz, tire a venda e esqueça tudo. Volte para sua prisão e curta o dia a sua maneira. Não vou lhe criticar por isso... Você nasceu com os olhos, não posso forçá-lo a esquecer disto.

Bom, para compreender as coisas que serão escritas por aqui regularmente, não será necessário que vocês fechem olhos. Pelo contrário: terão que abrí-los além do nível de consciência do senso comum...
Obs2: abrir os olhos não significa mantê-los abertos, porém deixo a decisão com vocês.

Sejam bem vindos!