terça-feira, 26 de junho de 2007

Mendigo

Dá-me, dá-me
Eu quero, não quero
Esmero, esmola
Espero, agora
Na rua, sem casa
Senzala, sem blusa
Pendente, pedinte
Escondido, me abrigo
Perdido, sem céu
Num céu sem sol
E queimo, esquento
Acendo o isqueiro
Cigarro potente
Fumaça que trago,
Estrago os dentes
Sou semente, sente?
Cabelos espalhados
Arrepiados sem os shampoos
Das prateleiras dos mercados
Capitaneados por cegos
Que observam sem culpa,
Sem luta...
Cem solidões pra mim
E vago no vazio:
Vida dura, coração macio

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Sexo culto

As idas e vindas de nossos corpos repartia a sanidade inexistente das almas ao nosso redor. Com intermitências angustiantes, a libido fingia parceria conosco. Tal satisfação sensível e sensual corria pra longe dos verdadeiros e apetitosos prazeres da carne e do espírito. Ora uma inanidade, ora motivo retardado de hilaridade. Pena capital. Recuei do notório sentimento de insatisfação, mas ponderei em não mais compartilhar meu pênis com sua vagina.
O objeto de nossos desejos transformou-se em cólera. Lastimei dúvidas e meditei pelo pior. Mas o pior seria o melhor, tanto pra mim, quanto pra você – por mais que a minha forma de lhe entregar as palavras fosse acalentadora e apaixonante. A partir do gozo que não fugia de mim, desisti da intromissão e da repetição de novas relações contigo.
Sabe, o que eu queria era um orgasmo coloquial, daqueles que se erra o português da maneira mais desvairada, de modo que o ponto G se confunda com o ponto J . Mas isso, você não poderia me oferecer!

domingo, 17 de junho de 2007

Amor leve, flutuante

Revendo curvas cruas
No sapateio do meu ego
Nego más condutas, omito o credo

Bases de mim se foge
Parte do fim no começo
Relento distante do seu lado
Carinhos por “sim” ou - então - abalos

Querubim sem asas
Voa e quebra a cara, no chão!
Limpa esse azeite de oliva do corpo
Entorna-o no fogo, jocoso e infame

Curativos e roxos simétricos
Bonitas chagas, enfermidade lenta
Senta e agüenta, mas cura
Pura leva de sangue e tormento

Aproveite o chá, já!
Esquenta os ossos
Fome líquida que desidrata
Amor leve, flutuante...

Milagres não dão “oi”,
Esguia fatia do pranto
Nos prumos da calmaria, lance-se
Acalme os seus desapegos,
Beije-me e descanse

domingo, 10 de junho de 2007

Lugar nenhum de minha terra amada. Perdi você na entrelinha de um pensamento distante. Visivelmente longe de mim, o ego. Percebestes que o mundo ainda gira ao nosso redor? Da dor, sobrou o aconchego na fotografia, repleta de vãos vazios na prateleira dos meus vícios. Perdi. E achei você, indeterminadamente covarde e corajosa. Na música que padeceu num espaço oculto do olhar, o lá veio de lá, próximo de todas as minhas projeções de alegria. Lá, som monossilábico e lugar monocromático. Procuro uma resposta inatingível. Lá, lá, la, la, la... não quero mais saber de ti.
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sábado, 2 de junho de 2007

Clichês

Violência de fora pra dentro
O dia-a-dia em conflito com a individualidade

Algumas cenas da realidade do Brasil viraram clichê. É até clichê dizer que isso é clichê. Ostentar jóias ou objetos visíveis aos outros, por exemplo, não é recomendável em tempos como estes. Ou melhor: a bandidagem está tão especializada que, mesmo aparentando não possuir nada, eles reconhecem uma pessoa “assaltável” pelo cheiro.
De acordo com o ISP (Instituo de Segurança Pública), em 2006 aconteceram 778,3 casos de roubos para cada 100 mil habitantes no estado do Rio de Janeiro. O drama chegou a tal ponto que, até uma das paixões nacionais – nada de mulher, tampouco futebol – tornou-se acessório de segurança ambulante. Falo única e exclusivamente das belas e excitantes curvas de um automóvel.

Tornou-se comum a construção de barricadas impedindo a passagem de carros nas entradas de morros e favelas. A população fica impossibilitada de transitar livremente. Deveria ser garantido a todo ser humano, o direito de ir vir. Não, não sou o autor de tal afirmação, certamente. Está lá, na constituição brasileira – aquele livro que todos deveriam saber de cor e salteado, mas não sabem ou ignoram.

Não basta ter um carro simplesmente, porque a recomendação está implícita: hoje em dia, automóveis devem possuir vidro fumê – na tonalidade mais escura possível –, alarme antifurto, chave eletrônica, vigilância via-satéliti ou via-rádio e, ainda, seguro total, caso os itens anteriores não sirvam de nada. Contudo, isso é só o começo. A violência urbana mudou, significativamente, a rotina dos cidadãos deste país.

Em terras tupiniquins, dependendo do horário, os sinais de trânsito se transformam em meros apetrechos de decoração das estradas. Até as leis se adequaram a barbárie do asfalto: a falta de um código para punir com rigor delitos cotidianos traz como conseqüência milhares de outras transgressões. Se você for carioca e estiver passando próximo da favela de Manguinhos (zona norte do Rio), na área intitulada “Faixa de Gasa”, provavelmente não vai parar quando o sinal estiver vermelho, após as nove da noite. Tudo bem, nenhum guarda de trânsito estará à espreita, de plantão neste turno – a não ser, claro, que tenha uma blitz na esquina.

Violência de dentro pra fora - A questão é, acima de tudo, como a banalização da violência se internalizou no brasileiro. Nas chamadas áreas de risco, moradores foram obrigados a retroceder. Não há transporte legal; crianças são impedidas de estudar por conta de conflitos; toque de recolher virou rotina quando a polícia invade; cidadãos têm mais medo dos policias do que traficantes e por aí vai.
O quadro social do Rio, assim como o do país, contribui de certa forma para o aumento alarmante da violência, vide os recentes casos de balas perdidas. Mas não significa que pobre seja igual a bandido (ou vice e versa) – confusão feita por bastante gente.
Enquanto senhores engravatados ficam atrás de suas bancadas sem propor leis mais rígidas, a população vive a mercê de leis impostas pelo crime. A maneira mais barata e óbvia, a longo prazo, de acabar com esse problema tão clichê, é utilizando um outro clichê, que há anos rodeia o imaginários dos brasileiros: investimento sólido na educação.

Cidade maravilhosa? Os bandidos concordam